domingo, 6 de novembro de 2016

Maratona do Porto

(Yeahhhhhhhhh!!!
Vou demorar algum tempo a passar todas as emoções que sinto da cabeça para a escrita. Aguardem, por favor.)

POST CONCLUÍDO!
DEMOREI MAIS TEMPO A ESCREVER DO QUE A CORRER!

Já li e reli muito daquilo que eu escrevi em relação à preparação para a Maratona do Porto. Já li e reli muitas das palavras de ânimo e de motivação que fui recebendo ao longo destes meses, desde o abençoado dia 23 de Dezembro de 2015, dia em que me inscrevi para a prova. Foi a minha prenda de Natal para mim mesmo, inscrevi-me no dia em que recebi e fi-lo sem partilhar com ninguém. (Mentira: partilhei no Facebook em jeito de mistério e a coisa correu mal e ia dando para o torto, mas adiante!) Já escutei novamente na minha cabeça todas as recomendações e conselhos que amigos e família me deram ao vivo e a cores, desde as excelentes dicas até aos receios de que eu fosse parar ao Hospital mais próximo. Tudo me ajudou a chegar à meta. Tudo contribuiu para o meu sucesso nesta primeira maratona. Tudo, desde a conversa "secreta" entre duas pessoas que levou à concretização desta inscrição (e só uma foi ao Porto) até à conversa segundos antes da partida onde o meu amigo e mentor (daqui em diante conhecido por LS) me dizia que eu não tinha nada que provar a ninguém, nem a mim mesmo e que não ia correr com ninguém às cavalitas porque isso era peso indesejado sobretudo numa prova tão extensa. Foi incrível a tranquilidade que ele me transmitiu, não só ali mas também em toda a prova.

Vamos então por partes.

Capítulo 0 - Antes da prova

Tudo arranjado na 6a feira à noite para sair de casa pelas 8h rumo ao Porto. Material visto, revisto, trivisto, sei lá quantas vezes foi visto para garantir que nada faltava. Equipamento, gel, relógio, comprovativo de inscrição, da reserva do hotel, etc. Com alguns atrasos, várias paragens obrigatórias pelo caminho e, sobretudo, sem pressa nem horários, chegámos ao Porto pouco antes das 13h. Primeira paragem: estádio do Dragão. (Sim, teve que ser...) No exterior muitos grupos pareciam já preparar "algo" relacionado com o jogo de domingo. Dali fomos até à Alfândega e agora sim começava a sentir o bichinho da Maratona, começava a entrar no espírito, começava a sentir a pressão da prova. Mas era uma pressão boa, era o sentir cada vez mais perto o momento e a responsabilidade do momento. Dorsal na mão - o primeiro arrepio na espinha. Nessa altura também nos cruzámos com outros companheiros de aventura, os nossos vizinhos e amigos daqui do lado chegavam também e foi no meio de muitos cumprimentos e abraços que estava dado este passo. Pelo meio fiz na feira da Maratona algo que já tinha visto no Facebook da prova: adquiri por 5€ o serviço de gravação do nome e tempo no verso da medalha no final da prova. Recebi uma pulseira em troca para apresentar no stand depois de concluir. Foi um compromisso, um investimento a fundo perdido. Se o quisesse fazer no domingo, pagava 10€. Se não concluísse a Maratona, não ia recuperar os 5€. Meio forreta como sou, era mais uma motivação para chegar ao fim! 

Rumámos ao Hotel, a residencial Senhor de Matosinhos,um espaço modesto mas com excelentes condições, bons preços e onde fomos muito bem acolhidos tendo inclusive sido facilitada a questão do late check-out para conseguirmos tomar banho no hotel depois da prova. Outra vantagem era estarmos afastados do centro do Porto e estarmos a 1,5km da zona da partida. Perfeito!
Tinha que haver francesinhas no fim de semana e o almoço de sábado era a melhor altura para isso - porque ao jantar era loucura e porque no domingo queríamos regressar a Lisboa o mais cedo possível. Uns momentos de descanso, um passeio pelas redondezas com direito a vermos o mar e com passagem pela zona da partida. As conversas iam, inevitavelmente, parar ao assunto principal do fim de semana. E não, não estou a falar do Porto vs Benfica. Foi um fim de tarde super tranquilo e agradável, muito descontraído, o que contrastou com o resto do serão que não foi tão sereno como se desejava (mas adiante). Antes do fim da noite afinámos horários para a manhã seguinte e fomos todos descansar. 

A noite passou num ápice e acordei bem disposto. Já tínhamos percebido que havia mais malta ali hospedada que também ia participar na Maratona (e também na Family Race) e ao pequeno-almoço o stress chegava devagarinho. Estava na hora de sair e levámos connosco parte da nossa "claque" que nos acompanharam até à partida. Assim que chegámos perto da Anémona já estava um mar de gente, num misto de fotografias e aquecimento. Segundo grande - enorme - arrepio! Este não foi na espinha, foi no corpo todo. E não era de frio, era de excitação! Não estava nervoso, até final da prova só por uma altura estive verdadeiramente nervoso. Fotos finais, despedidas finais, um abraço "que até parece que vais para a guerra!"

Ficámos os dois, a avançar o mais possível dentro da nossa caixa. Ele a transmitir-me toda a calma do mundo e eu à procura de mais caras conhecidas para me ir distraindo e para ir absorvendo toda aquela energia. Nunca me senti preocupado com a distância, mas isso não significa que estivesse demasiado confiante. Estava tranquilo, como se fosse partir aqui do jardim rumo a mais um treino de equipa. Tranquilo como desejava, como precisava. Dei-lhe um abraço e um high-5 com votos de boa prova. Foi ritual que implementei sempre que vamos correr em equipa - e sinceramente não me lembro da última vez que fui a uma prova sozinho - e enquanto caminhávamos até passar debaixo do pórtico da partida quis agradecer-lhe por tudo, desde o primeiro treino até àquele momento, mas não quis armar-me em lamechas. No fundo, a amizade é algo que não se agradece, retribui-se!

Começou a Maratona!

Capítulo 1 - dos 0 aos 12kms

(viram como ainda agora começou a prova e eu já escrevi quilómetros de texto? Sejam pacientes, eu prometo acabar antes de fazer a próxima)

A prova começou de forma surreal, comigo ainda a tentar colocar correctamente os phones. O LS que vai sempre a ouvir música desta vez não tinha phones - ou pelo menos não aparentava ter - e como íamos os dois também não liguei o mp3 com a minha playlist. Mais ainda, o mp3 diz ter autonomia para 4h e apesar de eu ter confiança em mim mesmo, sabia que ia demorar mais que isso para concluir a Maratona - que fique já registado que naquele dia nunca me passou pela cabeça outro desfecho! - portanto até isso tinha que gerir não fosse necessário ter esse apoio extra mais tarde.
Ao começar a subir a Avenida da Boavista íamos comentando o facto dos atletas da Family Race terem partido depois de nós e terem um ritmo diferente, pelo que teriam potencialmente mais dificuldades por terem que nos ultrapassar. Como os primeiros quilómetros foram em direcção a Matosinhos sentia-me muito confortável porque ainda no fim da tarde de sábado tínhamos andado a passear naquela zona. Olhando com alguma distância, até isso deve ter ajudado a esquecer algum eventual nervosismo. Sentia-me a correr "em casa", como se conhecesse bem aquelas ruas. Começam os primeiros retornos e isso permitia ver quem estava atrás de nós e ir cumprimentando colegas e amigos. Ao mesmo tempo também ia passando malta conhecida por nós e havia energia mais que suficiente para trocar algumas palavras. Aos 5km ele pergunta-me pelas primeiras impressões. Eu digo-lhe que vou perfeitamente, que se me sentir assim a 5km do final estarei muito feliz. 

Tinha metido na cabeça que não queria fazer nenhum km abaixo dos 6:00 e sempre que ia olhando para controlar o ritmo estava a cumprir. Vá, mais ou menos. Mas sentia-me bem e isso era o mais importante. Aos poucos o LS foi-me dizendo que ia comigo até à Meia Maratona e ao vermos quem estava atrás de nós ia também vendo que companhia é que eu poderia ter para a segunda metade da prova. Deixei-o sempre à vontade para seguir quando quisesse porque eu nunca ficaria sozinho no pelotão e encontraria companhia ao meu ritmo caso necessário. Foi também nesta altura que passámos pela primeira vez pela nossa claque que estava do lado esquerdo da estrada numa altura em que íamos do lado direito. Foi um breve encontro que iríamos repetir aos 12km, na rotunda da Anémona, do lado certo da estrada. Até aos 12km ainda houve mais alguns retornos e eu sempre de olho no outro lado para ver quem lá vinha. Gosto muito de percursos que proporcionam este tipo de encontros imediatos porque são uma boa distracção e permitem que os kms passem quase sem darmos por ele. A certa altura até me encostei ao lado esquerdo para ver melhor e ele, mais contido, ficou do lado direito. Íamos afastados, mas paralelos um ao outro. Foi aos 8km que tomei o primeiro gel, dentro da estratégia que tinha planeada. Falando em estratégia, quando estudei o percurso dividi-o em quatro etapas distintas que se vieram a concretizar. Ao mesmo tempo, pensava sempre em olhar para o próximo abastecimento como meta e recebia o conselho de trocar sempre de garrafa de água e, naqueles onde havia, trazer um gel. Eu já levava quatro no Flipbelt, mas não fazia mal ir renovando o stock. E assim, de forma descontraída, chegámos aos 12km, à rotunda da Anémona, onde ele aproveitou para deixar os "manguitos" que levava porque o frio da manhã já tinha sido substituído pelo calor do sol que brilhou durante toda a manhã. Eu optei por manter a camisola de manga comprida debaixo da camisola da equipa e ir arregaçando as mangas sempre que necessário. E ainda tinha muito que as arregaçar até ao final! Foi também na rotunda que passámos por amigos de outra equipa amiga que, por lesão, ficaram a ver a prova de fora a dar apoio e a tirar fotografias. E eu não sou eu se não fizer uma palhaçada qualquer para a objectiva. Para terminar este capítulo, era ali que se fazia a divisão entre a Family Race e a Maratona. Seguimos pelo caminho certo, já não havia volta a dar. "Olha, 25% da prova já estão feitos!" - disse, radiante.

Capítulo 2 - dos 12kms aos 21kms

Passada esta fase de maior adrenalina era altura de acalmar e estabilizar o andamento. Olhava para o relógio e via que o ritmo total estava ligeiramente abaixo do planeado e a continuar assim iria pagar a factura mais tarde. Era altura de gerir a energia e de abrandar o LS sempre que ele se entusiasmava e ia quase naturalmente para os 5:30/km. Já nos treinos longos era a mesma coisa, ele a dizer que é para irmos com calma a "5:60/km" mas a tendência era sempre para acelerar um pouco mais e irmos todos na onda, até alguém recordar o grupo do ritmo estipulado. No domingo não foi preciso muito. O ímpeto inicial estava ultrapassado, tínhamos muito que percorrer até ao fim e, como dissemos vezes sem conta um ao outro, não tínhamos pressa. Por aqui havia menos público na estrada mas também havia mais animação e música ao vivo - nem sempre com um estilo musical que eu achasse apropriado, mas pode ser só embirração minha. Atrasei o segundo gel o mais que pude e tomei-o cerca dos 18km em vez dos 15km que era o que andava a testar nas meias. O que fiz aos 15km foi ter agarrado numa esponja molhada no abastecimento. Usei-a para molhar a cara e limpar o suor mas não gostei da sensação de ficar com a cara tão fria. Para além da cara, sentia os braços e parte do corpo encharcados com a água algo gelada da esponja. Estando numa zona de sombras e com um vento que soprava, tive tremores de frio. Não voltei a pegar em esponjas até ao fim.
Fora isto, continuava a sentir-me bem, solto, descontraído, sem sentir o peso da prova nos ombros. Longe parecem ir os tempos em que as pernas soluçavam ali entre os 15/17kms. No domingo terminei a Meia Maratona com 2:08, perfeitamente dentro do ritmo que queria e com a leveza de que estava a começar. Foi uma frase e uma ideia repetida várias vezes nos treinos e consegui - conseguimos - cumprir. Antes de chegarmos a essa fase, várias curiosidades, a começar pelo facto de nos termos cruzado com os primeiros classificados e termos percebido a enorme vantagem que o eventual vencedor já tinha em relação à concorrência. Alguns sorrisos por vermos um atleta asiático no meio dos africanos, embora fosse em 6º ou 7º e muitas palmas para o atleta português que passou na peugada dos primeiros. Foi com surpresa que vimos que ambos acabaram por recuperar bastantes lugares nos kms finais e completaram os lugares do pódio. Como fait-divert pessoal, ficou o momento ali pelo quilómetro 17 em que não havia banda ao vivo mas havia música a sair pelas colunas, com umas meninas da EDP a dançarem. Assim que eu passei tocou esta música. Tanto tempo a escolher uma playlist para quê? Obrigado, destino.

Não sei se ia absorto nos meus pensamentos, mas o LS toca-me no ombro e de forma assertiva diz-me para curtir a paisagem da Ribeira e para desfrutar do momento. Do lado esquerdo o Porto, do lado direito o Rio Douro e na outra margem o Cais de Gaia onde já corria um enorme número de atletas. Rapidamente passámos a Ponte Dom Luiz, entrámos em Gaia e chegámos a meio da prova. Em cima da ponte novo momento de contemplação de tudo o que nos rodeava, mas também uma chamada de atenção para não repetirmos a paragem num abastecimento como aconteceu no km 20. "Ok, combinado."

Abri os braços ao passar o pórtico da Meia Maratona e disse-lhe que a Meia do Porto estava feita, agora estava na altura de fazer a Meia de Gaia.   

Capítulo 3 - dos 21km aos 32kms

Na verdade, sabia que estava mesmo a começar outra prova completamente diferente a partir daquele pórtico. Não era só o cenário que mudava, a partir daqui era a tentação de começar a contar os quilómetros "ao contrário", olhando erradamente para quantos faltavam em vez de contar aqueles que já estão feitos. Consegui escapar a isso e como se tratava de nova zona de retorno foi altura de espreitar novamente para quem já vinha em sentido contrário e novamente muitas foram as caras amigas que passavam. A prova também mudava a partir deste ponto porque eu sabia que a qualquer altura o LS ia seguir a sua prova e eu já não podia pedir mais dele, mas nem ele dava mostras de querer ir embora nem eu o mandava ir. Eu não queria fazer a prova toda ao lado dele. Não me levem a mal, estamos a falar de um grande amigo, de uma pessoa que me deu uma ajuda fundamental, não só no Porto mas também durante estes anos todos! No meu subconsciente eu ia começar a atrasá-lo e embora ele não estivesse minimamente ralado com o tempo final - ele nunca, mas nunca se preocupa com isso, mas sim com acabar bem e correr puramente por prazer - era desnecessário ele fazer um tempo muito inferior ao habitual dele. Para além disso, eu não queria terminar com a sensação de ter tido uma muleta a amparar-me durante o percurso todo. Recordam-se do que ele me disse antes da partida? Aquilo de eu não ter que provar nada a ninguém, nem a mim mesmo. Pois o psicológico começava a dizer-me o contrário. Mais sobre este assunto mais à frente. Como se pode ver pelos ritmos, comecei a fraquejar e a reduzir o andamento em Gaia. Até aos 28kms ainda não se notou muito, ele meteu conversa com pessoal e eu, que vinha uns metros atrás, percebi que eles eram do Cacém e como morei lá ao lado durante anos acabei por acelerar para os apanhar e participar da conversa também. Pequenos nadas que nos ajudam a passar mais uns metros, mais um quilómetro. A zona de Gaia também foi complicada por causa do piso e era constante a fuga para o passeio para tentar apanhar zonas mais planas e sem aquele empedrado chato.

Instantes antes de sairmos de Gaia novamente rumo ao Porto tive necessidade de me queixar pela primeira vez. Começava a sentir algum desconforto e algum cansaço nas pernas e verbalizei. Ele continuou tranquilo e aconselhou-me a levantar mais as pernas em cada passada. Acrescentou: 
"Já percebeste que agora não te largo mais até ao fim?"
"Acho que sim, mas podes ir descansado. Macacos me mordam se não acabo esta m....!"
"Mas tens dúvidas? É garantido que acabas, mas com algumas dicas para minimizar o sofrimento!" 

Já disse algures lá para trás: no domingo nunca tive dúvidas!

E para confirmar que ainda precisava de ir acompanhado, aos 29kms ele foi novamente assertivo e pergunta-me porque raio não estou a ouvir música! "Não vais demorar 4h daqui até à meta, mete lá isso a bombar e relaxa!" Como ele também não estava e fomos sempre na conversa um com o outro, nunca mais me lembrei e até me parecia mal se de repente o deixasse a falar sozinho. "Mete é só um dos phones, senão deixas de me ouvir."

Até à próxima, Gaia! Regresso ao Porto, viragem à direita até ao ponto mais distante da prova e retorno. Os 30km já ficavam para trás. O subconsciente lembrava-me que não tinha feito nenhum treino longo de 30km na preparação para a Maratona. O LS lembrava-me que eu tinha andado a tomar magnésio neste último mês para evitar câimbras a partir daqui, ao contrário da malta que eu ia começar a ver a parar pelo caminho e a fazer alongamentos à beira da estrada. Curiosamente, não vi tanta gente em más condições como tinha visto em Lisboa a partir do momento em que o percurso da Meia se juntou ao da Maratona. Ele também me lembrava que a partir dos 30km não se pára, caso contrário fica mais difícil recomeçar. Eu estava a ouvir e a tentar assimilar tudo, mas era cada vez mais difícil aguentar o desconforto. Comecei a andar pela primeira vez aos 32kms. E agora?


Capítulo 4 - dos 32kms aos 42km

Tinha tomado um gel antes dos 25km, salvo erro. Tenho a ideia que tomei outro aos 30km, mas já não consigo precisar. Mesmo que tivesse escrito este texto logo a seguir à meta, já não me lembrava bem. Ele bem me tentava motivar, mas já não funcionava. Não por culpa dele, mas porque a luta agora era outra. Acompanhou-me meio a andar, meio a correr, até ao túnel. Nem o Rocky Balboa me conseguiu dar forças, caramba! Ia correndo mas pouco e já andava mais do que corria. Aqui deu-se um momento chave: ele seguiu e eu fiquei "sozinho". Antes de seguir disse-me que a prova estava feita. Fomos uns metros abraçados, novo high-5 bem sonoro e ele seguiu. Pedi-lhe para que assim que chegasse transmitisse a mensagem que eu estava bem. Mesmo ele já ia chegar à meta com algum atraso em relação ao tempo que costuma fazer (acabou uns segundos abaixo das 4:30 quando em condições normais faria entre as 4:10 e as 4:15) o que também provocou alguma ligeira preocupação.

Última fase da corrida: eu contra a estrada! Faltavam uns 8kms até ao fim e eu disse para mim mesmo que depois de ter passado pelo retorno mais longínquo da meta eu tinha agora três hipóteses para acabar a prova: a correr, a andar ou de ambulância. E obviamente que a última estava fora de questão!

Eu disse que só por uma vez estive verdadeiramente nervoso: foi pelos 32kms quando tudo o que ele me dizia me passava completamente ao lado. Tentava assimilar e não conseguia reter informação nenhuma. Preocupei-me a sério, não sabia se estava bem. Naquela fase só queria ouvir uma voz: a minha. Percebi no final da prova, quando conversámos, que ele já tinha estado na mesma situação que eu quando fez a primeira maratona e a melhor coisa que lhe aconteceu foi ter ficado sozinho. Foi o melhor que me aconteceu a mim também. Lutei contra mim mesmo até chegar ao abastecimento dos 35kms. Comecei a cruzar-me com amigos e conhecidos, mas agora já não era altura de retorno, agora estávamos todos no mesmo barco a fazer a gestão do esforço até ao final, como o João me disse quando se cruzou comigo.

Quando recomecei a correr senti outro arrepio! Uma dor constante acima do joelho direito. Durou uma, duas, três, quatro passadas e depois... passou. Continuei a medo, mas a dor não voltou. Aqui a ideia era chegar ao abastecimento dos 40km. Dos 40km em diante já era tranquilo, pensava eu. Fui correndo de forma lenta, depois aumentei o ritmo e estava novamente confortável - acho que meti um último gel algures por aqui. Quando cheguei ao tal abastecimento já ia bem. Ajudou ter metido conversa com outros atletas e até ter ouvido uma senhora à beira da estrada dizer que "o menino está a fazer esta prova com demasiada roupa vestida." Calma, não era nenhuma sugestão mais ousada, era apenas porque com as mangas compridas para baixo novamente. Arregacei-as, literal e figuradamente!
Por mim também passou por duas vezes um rapaz, chamado Luís, a quem eu também ultrapassei duas vezes neste vaivém de "agora corro eu um pouco mais, agora corres tu". À terceira vez que eu o ia passar ele quase me parou e disse que era proibido! Fomos na conversa um bocado, ele - que até tinha dorsal de sub 3:45 - estava a fazer de lebre e a dar apoio a uma amiga que ia em silêncio para poupar as energias. Disse-me que era a boa acção do ano. Eu sorri e respondi-lhe que boas acções dessas são muito importantes. Entretanto "vou seguir" - disse-lhe eu - "porque ainda vou bater o meu record pessoal hoje!"
"Boa, achas que ainda consegues?"
"Consigo de certeza, é a minha primeira maratona!" - rematei assim com um grande sorriso nos lábios. Já tinha feito a mesma espécie de piada com o João e fiquei muito satisfeito quando ele me respondeu que também estava a ir para record (algo que acabou mesmo por acontecer!)

Com isto, vieram os 40kms! Parei um pouco no abastecimento, bebi mais powerade, agarrei numa garrafa de água, respirei fundo e parti sem parar para o fim da prova!

#dontstopmenow dizia a hashtag do tal post que meti no Facebook a 23 de Dezembro de 2015 quando fiz a inscrição. Era isso que sentia naquela altura. E a playlist, embora tardia, ajudava.

A adrenalina agora era brutal. Eu passava a correr por toda a gente, tinha ganho força extra para terminar em grande. Atirava palavras de ânimo para todos os que sentia em dificuldades, passava de mão estendida para toda a gente que no passeio aplaudia os atletas, enfim, as coisas habituais quando estou a ficar eufórico numa prova!

Placa dos 41km - o momento que quase me fez chorar. Quase! Contive as lágrimas, ao contrário do que tinha acontecido na estreia na Meia Maratona quando, na altura, vi a placa dos 20km e entrava na recta da meta. Quero lá saber se a entrada para o Parque da Cidade é feita numa subida! Eu só vejo gente dos dois lados do gradeamento, gente que já terminou a prova, gente que espera por quem termina. Puxo eu pelo público, eufórico como nunca, corro aos saltos e peço palmas. 42km, última curva! Já só faltam aqueles 195 metros. Sempre disse que iam ser os mais fáceis! Difícil era chegar até eles. Já vejo a meta, já vejo as meninas dos pompons a fazerem uma espécie de mini-corredor para passarmos no meio delas. Ouço gritar o meu nome - percebo entretanto que tinha mais homónimos naquela prova do que nunca. Ouço vozes familiares, viro-me para elas e ergo os braços em festejo! Yeahhhhhhhhhhh! Um som capturado - percebi hoje - por uma das câmaras que recolheu os vídeos da chegada. Ergo as mão ao alto, vou conseguir, vou cruzar a meta! Um último momento antes disso - também capturado em foto - em que olho para o símbolo que trago na camisola, agarro-o com uma mão e aponto para ele com a outra. Naquele símbolo estão todos aqueles que me ajudaram, não só os membros da equipa, mas também pessoas fora dela. Foram todos comigo, passaram todos aquela meta comigo! Está feito, está feito, terminei a Maratona!

Não me lembro de metade das coisas que fiz depois de acabar. Felizmente há vídeos da organização que me refrescam a memória. Levei as mãos à cara, quase incrédulo, estiquei a mão para alguém (da organização, talvez) que estava mesmo ali ao meu lado e fui até às barreiras onde sou recebido com um abraço, um forte abraço e lágrimas. Tinha saído para a guerra há umas horas atrás, mas voltei são e salvo! Outro e outro abraço! Do outro lado das barreiras quase que se desfalecia. Correr a Maratona daquele lado da barricada é, aparentemente, mais desgastante e cansativo. O LS aparece-me à frente, radiante e até surpreendido porque tinha a certeza que eu ia acabar mas desde que tinha seguido sem mim presumiu que eu fosse demorar mais tempo. Ah, e mete-me uma cerveja na mão. Ainda agora tinha acabado e já estava a festejar como deve ser!

Agora só queria a medalha. Pegar nela e ir ao stand para gravar o meu nome e o meu tempo! Nem sabia quanto tinha feito, lembro-me de desligar o relógio já durante os festejos. Fiquei a saber o tempo de chip precisamente quando agarrei na medalha depois da gravação. Até foi mais saboroso e algo épico assim.

Regresso ao hotel para um merecido banho e para arrumar tudo para regressar a Lisboa. Fui o último a despachar-me portanto quando chego aos carros sou recebido quase como um herói. E venho com um sorriso rasgado, sorriso que ainda mantenho hoje ao olhar para todas as fotos e vídeos disponíveis, mas também ao fechar os olhos e ao imaginar cada quilómetro, cada passada, cada metro percorrido. No regresso a casa dissecou-se muito sobre a prova, vista por dentro e por fora. A entreajuda, os momentos chave, o suplantar das dificuldades, tudo. 

O último ponto: o tempo final da prova. Sempre disse - e fui aconselhado a pensar assim - que o mais importante era terminar. Sendo a primeira e sendo a prova rainha era impossível de pensar de outra forma. Mas eu sou ambicioso e, modéstia à parte, tenho alguma noção do meu razoável valor dentro das minhas capacidades, se estiver num dia bom. Tinha apontado a um tempo a rondar as 4 horas e 30 minutos, mas sempre disse que até às 5 horas ficava muito satisfeito com o resultado. Balizei estes tempos também para quem está de fora poder ter alguma noção . Felizmente acertei, fiquei mais perto do tempo mais baixo e, se não tivesse tido necessidade de andar alguns kms até teria ficado em boas condições para o atingir. 

Pronto, fim do texto.
Obrigado a todos por lerem. Escreveria sempre este texto, mesmo que fosse só para mim. Sei que de vez em quando hei-de cá vir recordar e reler.

E prometo que para a próxima Maratona não vou escrever tanto.
Sim, porque vai haver próxima!


Prova nº 47 - Maratona do Porto - 42km - 4:40:54

26 comentários:

  1. Boaaaaaaaaaaaa!!! Já me tinha lembrado tantas vezes de ti hoje :)

    Parabéns!!! Mil vezes parabéns!!!

    Fico à espera dos detalhes :)

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  2. Lembrei-me tantas vezes de tiiii!!! Estou TÃO feliz por teres conseguidooooo!!! MUITOS PARABENS, Maratonistaaaaa :D

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    1. Obrigado Ivone e parabéns pela vossa prova na Family Race! Maratonista soa tão bem! :) Beijinhos!

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  3. Muitos e muitos parabéns! Foste grande!
    E prepara-te... O bichinho dos 42.195 atacou-te e não te vai largar enquanto não o fores satisfazendo :)

    Grande abraço

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    1. Fomos grandes, ambos! Muito pessoal que conheço depois de fazerem a estreia em Lisboa ou no Porto, disseram que tão depressa não faziam outra. Eu penso de maneira diferente! Malvado bichinho! :)

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  4. Whoohoo! Parabéns!! It's done ;) Ficamos a aguardar a atualizações ;)

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  5. Parabéns! Ando a pensar na São Silvestre do Porto e preciso de muita inspiração eheheh

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    1. Obrigado! Se uma linha deste longo texto te ajudar a encontrar essa inspiração, então o meu esforço valeu ainda mais a pena! Força! :)

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    2. Como já viste... contribuíste para a minha inscrição eheheh

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    3. Ok, acabei de ler agora e até fiquei com lágrimas nos olhos!!!

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    4. Oh pá, eu contive as lágrimas e meto toda a gente a chorar por mim? :)

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  6. Muitos parabéns Nuno!!! Espectáculo! É um grande orgulho, não é?
    Gostámos de te ver durante a prova, ias bem disposto e alegre tal como se quer numa maratona.
    Ficamos a aguardar o próximo capítulo ;)

    Ah e nunca é demais dizer: MUITOS PARABÉNS! :)

    Beijinhos e abraços,
    Isa e Vitor

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    1. Obrigado! É uma sensação tão fantástica que só vivendo! Já escrevi os capítulos todos desta aventura e agora já penso na próxima. Parabéns também pela vossa prova!
      Passaram por mim em boa hora à saída de Gaia, mesmo na altura em que tive que começar a procurar forças onde achava já não as ter. :)

      Beijinhos e abraços!

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  7. Acabei de escrever o post! Yeahhhhhhhhh!!! :)

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  8. Agora que já li o relato completo, muito feliz fico por teres todas essas sensações que se colam à nossa pele e nunca mais nos deixarão!
    É mesmo uma passagem para outra era, não é?

    Um grande abraço e venha a segunda! (já tens ideia quando e qual?)

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    1. Antes de responder aos comentários, li o post todo novamente e consigo visualizar cada quilómetro. Isto não desaparece mesmo é fica para sempre. Ainda ontem disse: "Oh, um amigo meu que também é maratonista..." Nem acabei a frase porque fiquei a sorrir.

      Em relação à próxima, estou a namorar Madrid. :)
      Um abraço!

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  9. Muito bom, parabéns! A primeira é inesquecivel, agora não queres outra coisa :) Parabéns também pelo excelente relato, daqueles que sabem mesmo bem ler! Um abraço

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    1. Obrigado Filipe! Mete inesquecível nisso! :)
      Quando se gosta do que se faz, o relato é sincero e sentido. Um abraço!

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  10. Parabéns pela prova e pelo excelente relato!
    Fiquei alojado no mesmo hotel e foram super atenciosos para a questão do check-out.
    Continuação de boas corridas!
    Paulo Oliveira

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    1. Obrigado Paulo. Certamente que nos teremos encontrado pelos corredores do hotel ou no pequeno-almoço. Impecáveis mesmo no check-out, tínhamos dois quartos marcados e como um deles não ia ser ocupado após a nossa saída permitiram que usarmos esse quarto para os banhos no regresso da prova. E como vês pelo tempo, cheguei um bocado mais tarde que tu. He he he!
      Obrigado, igualmente.
      Um abraço!

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  11. Não vais acreditar! Assim que termino de ler isto (e de sentir uma lágrima a escorrer...) recebo a notificação do teu comentário "Vou-te deixar ler para descobrires. ;)" Muito bom!

    Vou-me recompor e já digo qualquer coisa decente! :D

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    1. Épico. Esta prova proporciona momentos épicos mesmo meses depois de terminar. ;)

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  12. Antes de mais... PARABÉNS!!!

    Devo dizer-te que, como deves calcular, não é fácil perceber o teu nome (e acho que é intencional, tudo bem). Optei por te chamar N. (até tem algo que charmoso não achas? ahahaha) e, à medida que fui lendo os teus posts disse para mim mesma "Ah, é Norberto!!" :P Entretanto já percebi que não (até porque duvido que com este nome tivesses assim tantos homónimos maratonistas) portanto, e para concluir esta parte, vou optar por manter o N. ;)

    Agora o relato. Eu nem sei bem por onde começar. Comecei a ler as tuas publicações hoje durante o dia e, quando outras obrigações me obrigaram a parar, jurei que ligaria o PC à noite e só terminaria quando chegasse aos 42km (repara que usei "quando" e não "se", a confiança nos colegas de corrida é constante!). Li praticamente tudo até aqui, gosto sempre de acompanhar a vida do atleta e não apenas o momento.

    Como vou fazer a minha primeira Meia no Porto (não sei explicar porquê mas sou apaixonada por aquela cidade e decidi que queria que a minha estreia fosse lá) esta tua partilha foi ainda mais especial! Vou querer gravar a minha medalha também! :D E vou querer dicas, muitas dicas!

    Quero, acima de tudo, agradecer por este belo momento que é sem dúvida um incremento na motivação de quem tem a oportunidade de o 'viver'. É incrível como todos nós fizemos a maratona contigo nestes minutos!

    Eu sou uma leiga, uma iniciante, tenho muito a aprender com todos vocês que já levam anos disto. Mas acredita que estes relatos são um boost, melhor que qualquer gel! :D

    Não sei se já repetiste a proeza, vou descobrir entretanto, mas nunca é demais parabenizar alguém que consegue superar-se e tornar-se maratonista.

    Não sei se algum dia terei coragem para os 42km mas, se tiver, terás lugar na minha história :)

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    1. Obrigado!!! :)
      Podes ficar por N. de Nome. É simples e aceito o rótulo de charmoso! Norberto é um apelido que surgiu por aqui e foi ficando. (mas se leres tudo com atenção - aqui ou no Strava -
      percebes qual é o Nome)

      Há uma coisa que me acontece sempre que alguém vem cá comentar este post: eu releio tudo de uma ponta à outra e volto a emocionar-me com aqueles quilómetros e com o que escrevi. Ontem não foi excepção. Obrigado pela confiança! :)

      Penso que parte do trajecto da Meia é semelhante ao da Maratona. Não tenho dúvidas que te vai correr bem e vou estar a acompanhar os teus quilómetros à distância. Já aqui tinha dito que se o meu relato ajudar uma pessoa que seja já fico contente. Felizmente já não és a primeira pessoa a encontrar inspiração nas minhas palavras e curiosamente também relacionado com o Porto. Escolhi fazer lá a primeira Maratona por causa do percurso e do ambiente que são melhores que Lisboa.

      Ainda não repeti - mas podes ir descobrindo o resto - mas vou fazê-lo novamente no Porto este ano.

      Se um dia tiveres, fico contente por ter tido parte activa nesse feito, mas se isso nunca acontecer não deixas de ser uma valente atleta pela decisão sempre corajosa que dar o primeiro passo para querer começar. Só isso já é de louvar! :)

      Beijinhos!

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