terça-feira, 2 de janeiro de 2018

São Silvestre de Lisboa 2017

Há várias semanas que um colega de equipa me andava a tentar desencaminhar para ir fazer a São Silvestre dos Olivais (como se fosse difícil convencer-me a ir fazer uma prova) mas por um motivo ou outro eu não estava 100% seguro que a queria fazer. Em boa hora decidi que não queria mesmo, o que se veio a revelar uma boa decisão porque no dia antes o nosso treino das 5as feiras foi temático e, de repente, havia 50 pessoas para levar a correr pelas ruas da cidade num percurso que foi traçado por mim. Daquilo que mais me lembro é de dizer no briefing que estava cheio de medo de me enganar no caminho mas felizmente nada disso aconteceu e a coisa foi, sem falsas modéstias, um pequeno sucesso. Como já se falou o suficiente do assunto ali na rede social - com direito a reportagem na imprensa local e tudo - vamos lá ao assunto que nos trouxe aqui: a São Silvestre de Lisboa.

Este meu colega acabou por se convencer a fazer a prova porque era onde já estavam inscritos muitos dos elementos da equipa. Mesmo assim ainda foram dois aos Olivais. Azar dos azares, ele teve um impedimento pessoal que o forçou a não estar em Lisboa no sábado e na véspera cedeu-me o dorsal dele. Foi daquelas situações chatas porque podia na mesma ter feito os Olivais como pretendia originalmente, mas ele também não pareceu muito chateado com isso. Até calhava bem porque ele - tal como eu se me tivesse inscrito - tinha um dorsal sub-50.

A questão é que eu já há muito tempo que andava a dizer que queria estar na prova com o pessoal mas sem competir. Queria estar ali pela Rua da Arsenal à espera de os ver passar, correr ao lado de quem precisasse, fazer umas palhaçadas e dar apoio moral, empurrá-los pela Avenida da Liberdade acima um passinho de cada vez e depois do Marquês sair de cena antes da meta para não a cruzar ilegalmente sem dorsal. Assim sendo a coisa já era diferente. A única ilegalidade era mesmo ter um dorsal com outro nome, algo que também não gosto como já aqui referi mas onde o risco é exclusivamente meu.

Lá me juntei com o pessoal à hora marcada, mas a partida para Lisboa foi um pouco confusa e com atrasos, ao que se somou muito trânsito já dentro da cidade. Comentei por sms que se estivesse ali para competir "a sério" estaria a ficar nervoso. Como é normal nestas situações tudo acabou por se resolver, carros todos estacionados algures e todos juntos no ponto de encontro para tirar fotos, tentar um grito de guerra que ainda não está bem ensaiado, acima de tudo, rir. Pelo meio ia vendo uma ou outra cara conhecida e trocando alguns cumprimentos. A caminho dos blocos de partida ignorei a porta dos sub-50 e fui com a malta foi ficando para o último dos blocos. Disse-lhes repetidamente, tal como tinha comentado na semana antes, que estaria ali para me divertir e que nos grupos de trás é que se corre com tempo e calma suficiente para se desfrutar de todos os momentos.


A Avenida estava lindíssima àquela hora da tarde. Muito mais bonita ao vivo do que alguma das fotos que eu tirei. E acreditem que tirámos imensas enquanto aguardámos pelo início da prova. Pelo início da nossa prova que foi uns 10 minutos depois do arranque oficial das Elites. E lá fomos. Confesso que fui sem qualquer plano. Estava só ali por perto a correr ao ritmo das minhas colegas de equipa. Nem sabia muito bem quem iria acompanhar ou se iria andar a fazer piscinas entre elas. Foi com alguma naturalidade que duas foram mais para a frente com bom andamento e uma ficou um pouco para trás portanto fiquei num ponto intermédio junto de outras duas colegas. Ao mesmo tempo pensava que podia estar a tentar fazer de lebre ao meu colega que queria fazer 45 minutos (mas isso é mais rápido do que eu corro) ou estar com o outro colega que ia tentar chegar aos 52 minutos ou estar com... Enfim, tanta gente a quem eu queria fazer companhia.

Lá fomos os três num ziguezague constante para tentar ultrapassar outros atletas enquanto nos mantínhamos unidos e sem perder ritmo. Íamos a 6:15m/km o que era um ritmo interessante para elas, ao mesmo tempo que eu já ia tentando ver quem vinha em sentido contrário para ver se percebia onde ia o resto da malta. Encontrei alguns, mas não todos. Encontrei também mais pessoal amigo o que é algo que muito me agrada. E de vez em quando ouvia também o meu nome, embora nem sempre fosse para mim. E quando era demorei imenso tempo a reagir para retribuir a mensagem de força. O nosso trio manteve-se quase sempre coeso, mas aos 4km uma delas fez-me sinal que tinha que abrandar um pouco mas que nós fossemos em frente que ela já nos apanhava. Cumpriu a promessa e logo a seguir ao abastecimento já estava junto a nós novamente, no entanto teve que abrandar pouco depois. Ficámos só os dois e eu sempre a tentar perceber se o ritmo era tranquilo para ela. Disse-me que também queria abrandar mas que não o ia fazer. Não sei se a minha presença ali lhe deu ânimo ou se se sentiu pressionada para não dar parte de fraca, mas gabei-lhe a força de vontade e a excelente prova que estava a fazer. Com isto já estávamos de regresso ao Cais do Sodré e havia cada vez mais gente na rua a assistir - em silêncio - à prova.

Ora se eu já puxo pelo público quando vou a correr no limite com os dentes cerrados em busca de um bom tempo, então agora que ia a um ritmo tranquilo para mim ainda mais energia tinha para animar os espectadores. Assim fiz e várias foram as vezes em que gritei a pedir palmas e a pedir barulho, mas infelizmente nem sempre fui correspondido. A minha colega devia estar a chamar-me louco, pensava eu... mas como ia eu à frente a servir de lebre nem sempre via a reacção dela. Entretanto percebi que ela estava a achar interessante o meu esforço. No meio do pessoal que estava à beira da estrada lá havia, como sempre, elementos do Correr Lisboa a dar um apoio constante. Por falar neles, foi a caminho do Rossio que encontrei a minha amiga Inês que me disse que até no meio de 10 mil pessoas nos conseguimos encontrar sem ser preciso combinar e que me "confidenciou" também que afinal não era só na Avenida da Liberdade que se começava a subir porque ali também já não era fácil. Ainda lhe tentei dizer que era pura ilusão, mas as pernas sentem logo quando o terreno começa a inclinar. Ao mesmo tempo perguntava à minha colega se ela tinha energia para enfrentar o que faltava e disse-me que tinha que ser. Sugeri-lhe não ter a  tentação de querer aumentar o ritmo para compensar a subida mas para ir tranquila, um passo de cada vez, lá está.

Aguentou-se muito bem, só teve necessidade de caminhar no último cruzamento da Avenida já com o Marquês à vista. Mandou-me seguir, que não esperasse por ela. Já o tinha feito no abastecimento quando teve que parar para beber água sem se engasgar. Seguir? Sem ti? Então mas eu estou aqui é para te ajudar, não tenho pressa em chegar à meta que ela espera por mim. E assim foi até dar quase meia volta ao Marquês. Disse-lhe que o mais difícil estava feito e que agora era só gerir a descida até à meta. Vou voltar para trás - acrescentei - à procura da nossa colega. Não tive que descer muito porque ela não vinha longe e fiz o mesmo. Deixei-a no mesmo sítio e fui pela Avenida abaixo "em contra-mão" à procura da última colega da equipa que eu imaginava viria com mais dificuldades, mas o último é o mais importante e ninguém fica para trás!

Vinha efectivamente cansada e ainda a começar a subir. O marido já a vinha a ajudar (fez 47 minutos em vez dos 45 que queria) e fomos os três por ali acima. Eu e ele mais na conversa para não a pressionar, ela a lutar com todas as forças contra aquela inclinação tramada. Fomos subindo, mais depressa ou mais devagar e ele dizia-me que a certa altura nos deviam barrar a passagem, até porque já lá atrás não o queriam deixar passar para a acompanhar quando o viram de medalha posta e com o resguardo prateado que foi dado no final da prova. Ok, disse-lhe eu, não te preocupes que se não te deixarem seguir eu acompanho-a até à meta. Valha a verdade eu gostava de terminar a minha prova, pá! Ficou incrédulo porque achou que eu já tinha passado a meta e tinha regressado ao percurso como ele. Nada disso, nada disso.

Ele foi efectivamente connosco até próximo das barreiras. Ao darmos a volta completa ao Marquês - e enquanto tentávamos convidar uma outra atleta do Correr Lisboa a seguir na nossa boleia e combinar onde era o ponto de encontro com a malta da nossa equipa após a meta - eis que vemos um foguete a passar sorridente pela Avenida abaixo! Ela ganhou forças vindas não sabemos de onde e estava com energias renovadas. Deu para ir quase sempre sem parar até à meta que foi cruzada de mãos dadas, seguindo-se um forte abraço!

(Gostava de encontrar uma foto da chegada, mas ainda não fui à página da prova na Running & Medals ver os álbuns que já estão disponibilizados e catalogados.)

Melhor ainda, todo o resto do pessoal que partiu connosco tinha aguardado por nós após a meta antes de ir receber a medalha. Esta amizade que nos une e este espírito que temos é completamente indescritível. Saber os bons resultados do resto do pessoal foi um bom complemento. A colega que eu acompanhei durante o percurso todo até ao Marquês já me tinha dito que a prova estava a passar muito depressa e veio a comprovar que fez o seu melhor tempo aos 10km. Maravilha!

Quanto a mim, passei a meta com o meu pior tempo de sempre numa prova de 10km - e no meio do vai-vem acabei obviamente por fazer mais que isso - mas foi das metas que mais alegria me deu a passar. Daqui a uns largos anos hei-de olhar para este tempo e por uns segundos hesitar se não me enganei a registar a prova no meu arquivo mas rapidamente me lembrarei de todos os momentos daquele final de tarde. Não podia ter tido uma meta melhor para terminar o ano. Adorei cada quilómetro, cada momento, cada passada dada pelo prazer de correr, pelo prazer da companhia, pelas gargalhadas, por tudo! Achei mesmo que ia sentir falta da adrenalina de estar a lutar contra o relógio para fazer "aquele" tempo mas isso nunca aconteceu. Em 2018 vou querer continuar a trabalhar para atingir alguns objectivos, eventualmente bater algumas das minhas melhores marcas actuais mas também vou querer voltar a ter dias assim em que o coração está tão cheio de carinho acumulado ao longo dos tempos que começa a transbordar e a retribuir tudo na mesma moeda e em todas as direcções.



Agora é voltar a respirar fundo e recomeçar tudo novamente. Nova semana com treinos, nova prova no domingo.

Para todos, votos de um 2018 em grande e que possam atingir a felicidade e o sucesso que procuram e que merecem!

Prova nº 74 - São Silvestre de Lisboa 2017 - "10km" - 01:21:40
    

10 comentários:

  1. Muitos parabéns pela prova e, sobretudo, pela tua atitude! Mais importante do que fazer grandes tempos, é divertirmo-nos e gostarmos de correr :)

    Que 2018 te dê muitos momentos felizes como estes!

    Um beijinho

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    1. Obrigado! Soube mesmo bem acabar o ano neste espírito! :)
      Votos de um 2018 feliz, como tu bem mereces!
      Beijinhos!

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  2. Tens o verdadeiro espírito de atleta de pelotão! :)

    Um grande abraço de desejo dum excelente 2018 para ti e todos os teus!

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    1. Tenho tido bons exemplos à minha volta e quando assim é fica tudo mais fácil.
      Grande abraço! Igualmente para os teus e força para a segunda ronda!

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  3. És o maior!

    Para a próxima vê se gritas à séria por mim para pelo menos te desejar boa sorte! :)

    Beijinhos e boas corridas em 2018!

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    1. Estás a chamar-me gordo, é? :P
      Sim, para a próxima grito como deve ser! Ainda fiquei a ver se te voltava a ver já dentro das grades ou durante a prova, mas nada. Fica para Peni... para o Fim da Europa. :)

      Beijinhos! Obrigado e igualmente!

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  4. Já te tinha dito que és espectacular???

    **

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    1. Oh tola. Vocês é que são, pá! Tu é que és, pá! :)
      Isto sozinho não tinha a mesma piada.
      ***

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  5. Muito boooom! :D Uma companhia que nos apoie e nos incentive faz-nos mesmo ir buscar energia e fôlego a sítios que nem nós sabemos de onde é que ela vem!! :D Excelente!!! :D Tem um feliz anooooo :D Beijinhooss

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    1. E sabe tão bem poder apoiar desta maneira! :)
      Um excelente ano para ti também! E que nos consigamos encontrar sem ser por aqui!! Beijinhos!

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