"O que eu não gosto mesmo nada são aquelas provas em que passamos pela meta a meio do percurso e ainda temos que dar uma grande volta até terminar."
"Mas esta é uma dessas provas. Passamos pela meta aos 13km e depois ainda temos mais oito até chegar ao fim! Não sabia?"
"A sério? Ah não, é que eu é a primeira vez que venho e não vi o percurso."
Esta conversa aconteceu entre duas atletas a meio da subida por volta do quilómetro 4. Na verdade, eu já tinha reparado na atleta que iniciou esta conversa porque tinha passado por ela na subida anterior e ela ia a andar. Dei-lhe um toque nas costas, desejei-lhe força e ela disse que estava tudo ok. Na descida seguinte ultrapassou-me novamente em alta velocidade e instantes depois era isto que relatei. Eu sou muito picuinhas com os percursos das provas, gosto de saber ao que vou. Se é a primeira vez tento ver com algum detalhe aquilo em que me vou meter, se estou a repetir então vejo com atenção o meu desempenho anterior.
Se eu acho que nesta fase do mundo em que vivemos, onde a informação está ao alcance de um ou dois clicks, é absurdo ir para uma prova sem ter o mínimo de noção do trajecto e da altimetria, então quando se trata de uma prova como a Meia Maratona das Lampas isso é imensamente pior! Não estamos a falar de uma prova qualquer, é "apenas" uma das Meias de estrada mais exigentes do calendário. E nem sequer é uma prova recente e desconhecida, já tem a bela idade de 42 anos! Mesmo antes da partida os atletas foram avisados pelo speaker para fazer uma boa gestão de esforço e para não nos deixarmos embalar logo de início. Não sei que tempo final fez e se chegou bem ou se terá cedido à tentação de desistir à passagem pelos 13km. Espero obviamente que esteja bem! (Entretanto já saíram as classificações e penso que encontrei a atleta, que terminou com um tempo semelhante ao que eu fiz nas Lampas há dois anos.)
Tendo em conta que fui sozinho e cheguei cedo, tinha tanto tempo para queimar que até me dei ao luxo de mudar o carro de parque de estacionamento. Foi de forma muito preguiçosa que me fui terminando de equipar e dei um curto passeio por São João onde me fui começando a encontrar com alguns amigos. Estava super tranquilo e assim estive durante toda a prova. Quando começou, deixei-me ir. A ideia era fazer a prova a um ritmo de 6:00m/km e, sobretudo, fazer melhor que as 2:16 de... 2016.
Tive que meter um travão ao fim dos dois primeiros quilómetros porque já ia em excesso de velocidade. Era o ímpeto inicial que me iria levar ao cansaço num ápice, mas rapidamente medi um ritmo mais apropriado com o percurso e o carrossel inicial ajudou-me a fazer isso. Cheguei então à tal atleta e não podendo fazer muito mais para a ajudar, fui seguindo ao meu ritmo. Nesta fase fiquei também sem música porque o auricular ficou sem bateria. Paciência, mais disponibilidade tinha para meter conversa com quem me rodeava dentro e fora do asfalto.E se do lado tos atletas as subidas tiravam grandes hipóteses de conversa, do lado do público muitos eram os que nos batiam palmas quer por iniciativa própria, quer a pedido.
Foi pelos 6kms que comecei a seguir um pequeno grupo que ia mesmo por ali à minha frente. E um dos elementos era uma espécie de... eu! A cada grupo de espectadores que via, puxava por eles, pedia palmas, metia conversa, dizia uns disparates. E eu logo ali atrás não podia fazer o mesmo senão estava copiá-lo. Ora, se não os podes vencer, junta-te a eles. E foi uma companhia fantástica até perto dos 10/11kms. Sempre na palhaçada e na galhofa, a prova foi-se fazendo com uma alegria imensa. E é assim que eu gosto de estar na estrada: alegre! Nem se dava pelo tempo passar, falava-se do jantar que o esperava, das minis que ninguém nos oferecia à passagem pelos cafés, das subidas que continuam fortes e não baixam por mais que uma pessoa as vá calcando ao longo do tempo e da promessa de que se estivermos lá para o ano é porque estamos vivos. E nisto, numa subida, uma senhora ultrapassa-nos a todo o gás e eu digo que enquanto nós estamos na parvoice os atletas a sério estão a dar-nos uma abada! Ela riu-se e ficou por ali comigo, porque entretanto o meu parceiro de conversa disse que ia abrandar e mandou-nos seguir caminho.
Este companheiro de circunstância chama-se Fernando. Nós temos um Fernando na equipa que é exactamente igual em termos de convívio e diversão. O Fernando que conheci ali fez-me lembrar o Fernando que já conheço há alguns anos. Descobri que ambos são amigos nas rede sociais!
Seguindo, tinha agora uma nova parceria para continuar a prova. Descobri que ela também não conhecia o percurso, mas como ia fazer a Meia Rampa estava quase a acabar. Fomos juntos mais um quilómetro, altura em que continuei viagem e lhe desejei um bom fim de prova. Ao mesmo tempo lembro-me de me meter com um grande grupo de miúdos que estavam à beira da estrada a recolher high-5s e disse-lhes que para o ano eram eles a correr. Riram-se. Muito. Não sei porquê.
Ao chegar a São João das Lampas ia a sentir-me muito bem, com algum cansaço acumulado mas nada que me estivesse a desanimar. Lembrei-me então que tinha combinado comigo mesmo tomar um gel nessa altura e assim o fiz. Ia no encalce de nova companhia e tinha duas camisolas amarelas à frente: uma virou para a meta da Meia Rampa e a outra seguiu para os 21km mas voltou logo para trás. Penso que terá desistido e espero que esteja bem. Foi nesta altura que eu pensei na minha prova de 2016 e em como a partir daquele momento as coisas começaram a piorar.
Tendo em conta que fui sozinho e cheguei cedo, tinha tanto tempo para queimar que até me dei ao luxo de mudar o carro de parque de estacionamento. Foi de forma muito preguiçosa que me fui terminando de equipar e dei um curto passeio por São João onde me fui começando a encontrar com alguns amigos. Estava super tranquilo e assim estive durante toda a prova. Quando começou, deixei-me ir. A ideia era fazer a prova a um ritmo de 6:00m/km e, sobretudo, fazer melhor que as 2:16 de... 2016.
Tive que meter um travão ao fim dos dois primeiros quilómetros porque já ia em excesso de velocidade. Era o ímpeto inicial que me iria levar ao cansaço num ápice, mas rapidamente medi um ritmo mais apropriado com o percurso e o carrossel inicial ajudou-me a fazer isso. Cheguei então à tal atleta e não podendo fazer muito mais para a ajudar, fui seguindo ao meu ritmo. Nesta fase fiquei também sem música porque o auricular ficou sem bateria. Paciência, mais disponibilidade tinha para meter conversa com quem me rodeava dentro e fora do asfalto.E se do lado tos atletas as subidas tiravam grandes hipóteses de conversa, do lado do público muitos eram os que nos batiam palmas quer por iniciativa própria, quer a pedido.
Foi pelos 6kms que comecei a seguir um pequeno grupo que ia mesmo por ali à minha frente. E um dos elementos era uma espécie de... eu! A cada grupo de espectadores que via, puxava por eles, pedia palmas, metia conversa, dizia uns disparates. E eu logo ali atrás não podia fazer o mesmo senão estava copiá-lo. Ora, se não os podes vencer, junta-te a eles. E foi uma companhia fantástica até perto dos 10/11kms. Sempre na palhaçada e na galhofa, a prova foi-se fazendo com uma alegria imensa. E é assim que eu gosto de estar na estrada: alegre! Nem se dava pelo tempo passar, falava-se do jantar que o esperava, das minis que ninguém nos oferecia à passagem pelos cafés, das subidas que continuam fortes e não baixam por mais que uma pessoa as vá calcando ao longo do tempo e da promessa de que se estivermos lá para o ano é porque estamos vivos. E nisto, numa subida, uma senhora ultrapassa-nos a todo o gás e eu digo que enquanto nós estamos na parvoice os atletas a sério estão a dar-nos uma abada! Ela riu-se e ficou por ali comigo, porque entretanto o meu parceiro de conversa disse que ia abrandar e mandou-nos seguir caminho.
Este companheiro de circunstância chama-se Fernando. Nós temos um Fernando na equipa que é exactamente igual em termos de convívio e diversão. O Fernando que conheci ali fez-me lembrar o Fernando que já conheço há alguns anos. Descobri que ambos são amigos nas rede sociais!
Seguindo, tinha agora uma nova parceria para continuar a prova. Descobri que ela também não conhecia o percurso, mas como ia fazer a Meia Rampa estava quase a acabar. Fomos juntos mais um quilómetro, altura em que continuei viagem e lhe desejei um bom fim de prova. Ao mesmo tempo lembro-me de me meter com um grande grupo de miúdos que estavam à beira da estrada a recolher high-5s e disse-lhes que para o ano eram eles a correr. Riram-se. Muito. Não sei porquê.
Ao chegar a São João das Lampas ia a sentir-me muito bem, com algum cansaço acumulado mas nada que me estivesse a desanimar. Lembrei-me então que tinha combinado comigo mesmo tomar um gel nessa altura e assim o fiz. Ia no encalce de nova companhia e tinha duas camisolas amarelas à frente: uma virou para a meta da Meia Rampa e a outra seguiu para os 21km mas voltou logo para trás. Penso que terá desistido e espero que esteja bem. Foi nesta altura que eu pensei na minha prova de 2016 e em como a partir daquele momento as coisas começaram a piorar.
Na verdade, começou a piorar aos 15km onde a subida é pouco acentuada mas constante. No sábado estava bem e não ia quebrar. A partir da passagem pelos 13km meti um objectivo meio parvo na cabeça, mas que terá funcionado: não podia ser ultrapassado por nenhum atleta! E assim aconteceu!
Devo ter ganho uns 30 lugares na geral nestes 8km finais. As contas da classificação apontam para isso e confirmam que fui fazendo uma corrida de trás para a frente. A certa altura estávamos já tão espaçados que não tinha ninguém à frente num raio de talvez 300 metros. E quando olhei para trás também não tinha ninguém por perto. Pensei que era algo semelhante que deve sentir quem vai a liderar uma prova e agarrei-me a esse bom feeling para continuar. E senti que estava a ultrapassar-me a mim mesmo e a deixar claramente para trás a prova de 2016.
Já nem precisei de tomar o segundo gel. Agora quem me dava força era o público a quem eu pedir para bater palmas sem parar e eram os próprios atletas que eu estava a ultrapassar. Eu desejava-lhes força e eles incentivavam-me a continuar. "Vais bem, segue!" "Continua, não pares!" "Aguenta assim até aos 20km, o último é sempre a descer!" foram algumas das coisas que ouvi, juntamente com um "És o maior!" que não percebi se veio de um atleta ou do público numa altura em que pedi para fazerem barulho. Acabo este parágrafo e vou deixar de me vangloriar, mas foi o meu momento de consagração pessoal. Uma espécie de karma. E a prova de que na cauda do pelotão também somos todos campeões à nossa maneira e até temos mais tempo para desfrutar do bom ambiente.
Faço aqui um reparo: fui ultrapassado sim! À entrada para o último km ouço alguém atrás de mim a dizer que já ia quase com 42. Anos de idade? Não, quilómetros feitos. Descobri que um grupo de, salvo erro, quatro atletas partiu às 15:00 para fazer uma primeira volta ao percurso e fez a segunda volta durante a prova. Sim, fizeram os 42km das Lampas na 42ª Edição. Excelente iniciativa! E foi aquele atleta, com o dobro da distância corrida, o único que me passou nos tais 8km finais... Espectáculo!
Com a meta à vista e com a descida a ajudar acabei a prova estupidamente feliz. Nem sequer consegui manter-me dentro da média que pretendia, falhei esse objectivo por pouco, mas isso não interessava. A prova estava feita, peguei na medalha, larguei um até para o ano e agarrei-me à melancia do abastecimento final. Só faltou a massagem, mas estava uma fila gigantesca. Alonguei, ainda vi amigos e conhecidos subirem ao pódio, estive um pouco à conversa e regressei a casa. Feliz.
Muito feliz. A 13 de Março, no rescaldo da Meia Maratona de Lisboa escrevi:
"E se a ideia é apagar resultados menos conseguidos do passado, então alguém avise a Meia das Lampas que em Setembro conversamos."
Pronto, estamos conversados! Hei-de voltar às Lampas para ver se também esta Meia passa a ter aquele rótulo de duas horinhas que eu digo sempre que parto para mais uns 21km. Ou para me rebentar todo e dar o litro e meio na Meia Rampa.
Próxima prova: Meia Maratona Ponte Vasco da Gama (vivam os passatempos!!!)
Prova nº 91 - Meia Maratona de São João das Lampas 2018 - 21km - 02:08:38
Devo ter ganho uns 30 lugares na geral nestes 8km finais. As contas da classificação apontam para isso e confirmam que fui fazendo uma corrida de trás para a frente. A certa altura estávamos já tão espaçados que não tinha ninguém à frente num raio de talvez 300 metros. E quando olhei para trás também não tinha ninguém por perto. Pensei que era algo semelhante que deve sentir quem vai a liderar uma prova e agarrei-me a esse bom feeling para continuar. E senti que estava a ultrapassar-me a mim mesmo e a deixar claramente para trás a prova de 2016.
Já nem precisei de tomar o segundo gel. Agora quem me dava força era o público a quem eu pedir para bater palmas sem parar e eram os próprios atletas que eu estava a ultrapassar. Eu desejava-lhes força e eles incentivavam-me a continuar. "Vais bem, segue!" "Continua, não pares!" "Aguenta assim até aos 20km, o último é sempre a descer!" foram algumas das coisas que ouvi, juntamente com um "És o maior!" que não percebi se veio de um atleta ou do público numa altura em que pedi para fazerem barulho. Acabo este parágrafo e vou deixar de me vangloriar, mas foi o meu momento de consagração pessoal. Uma espécie de karma. E a prova de que na cauda do pelotão também somos todos campeões à nossa maneira e até temos mais tempo para desfrutar do bom ambiente.
Faço aqui um reparo: fui ultrapassado sim! À entrada para o último km ouço alguém atrás de mim a dizer que já ia quase com 42. Anos de idade? Não, quilómetros feitos. Descobri que um grupo de, salvo erro, quatro atletas partiu às 15:00 para fazer uma primeira volta ao percurso e fez a segunda volta durante a prova. Sim, fizeram os 42km das Lampas na 42ª Edição. Excelente iniciativa! E foi aquele atleta, com o dobro da distância corrida, o único que me passou nos tais 8km finais... Espectáculo!
Com a meta à vista e com a descida a ajudar acabei a prova estupidamente feliz. Nem sequer consegui manter-me dentro da média que pretendia, falhei esse objectivo por pouco, mas isso não interessava. A prova estava feita, peguei na medalha, larguei um até para o ano e agarrei-me à melancia do abastecimento final. Só faltou a massagem, mas estava uma fila gigantesca. Alonguei, ainda vi amigos e conhecidos subirem ao pódio, estive um pouco à conversa e regressei a casa. Feliz.
Muito feliz. A 13 de Março, no rescaldo da Meia Maratona de Lisboa escrevi:
"E se a ideia é apagar resultados menos conseguidos do passado, então alguém avise a Meia das Lampas que em Setembro conversamos."
Pronto, estamos conversados! Hei-de voltar às Lampas para ver se também esta Meia passa a ter aquele rótulo de duas horinhas que eu digo sempre que parto para mais uns 21km. Ou para me rebentar todo e dar o litro e meio na Meia Rampa.
Próxima prova: Meia Maratona Ponte Vasco da Gama (vivam os passatempos!!!)
Prova nº 91 - Meia Maratona de São João das Lampas 2018 - 21km - 02:08:38
"Eu sou muito picuinhas com os percursos das provas". Disseste tudo! Há quem, de facto, não esteja nem aí, e vá pela experiência, pela companhia, ou só mesmo porque sim, sem se preocupar com isso e gostando até dessa permanente descoberta, quilómetro após quilómetro :) Eu sou mais como tu, mas conheço quem não seja! E somos todos felizes na mesma :)
ResponderEliminarAinda bem que te correu bem a prova! Mais uma vez, muitos parabéns pelo resultado! Foi uma bela conversa :) E esta é mais uma que hei-de fazer um dia :)
Somos todos felizes, mas eu vi o choque na cara daquela atleta quando percebeu como iam ser os restantes 90% da prova dali para a frente...! :)
EliminarFoi mesmo muito agradável. Espero que faças, é um simpático trail em alcatrão. :)
Muitos parabéns pela excelente prova!
ResponderEliminarDeste-lhe bem e foste recompensado :)
Se fazer a Meia das Lampas não é fácil, então imagina esses que fizeram a Maratona das Lampas!!!!
Um abraço e encontramo-nos na Vasco
Obrigado! :)
EliminarImagino mesmo, daí o meu espanto e a minha admiração. De realçar que eu já tinha reparado neste atleta nos kms iniciais pelo simples facto de fazer a prova de sandálias. E ele ainda me disse que é o melhor para quem corre e que os ténis é que nos estragam os pés todos.
Até à Vasco!
Bela prova e belo texto! Já tinha saudades dos teus relatos. De certeza que vou gostar muito do que vais fazer da maratona do Gerês!
ResponderEliminarObrigado Filipe. Ando com um problema de não gostar daquilo que escrevo assim que publico, mas depois leio duas e três vezes no dia seguinte e fico satisfeito. Manias.
EliminarEsse relato não vai ser este ano, ainda vais ter que esperar um bocado por ele, mas obrigado desde já pela motivação!
Fiquei-me pela Meia Rampa. Ao ler-te, revivi as minhas experiências passadas, e ...só me deu (mais) vontade de voltar para o ano, na Meia Martona, claro! Parabéns pela prova bem conseguida: se acabámos felizes...que mais se pode pedir?
ResponderEliminarNão se pode pedir mais nada, Ana! Ainda bem que te consegui transmitir essas sensações. Curiosamente eu fiquei com vontade de experimentar a Meia Rampa para fazer aquela parte da prova sem estar a gerir tanto o esforço. Ainda temos que esperar quase 365 para a edição 43? :)
Eliminarah ah ah...agora já faltam menos :)
EliminarParabéns!!!
ResponderEliminarObrigado! :)
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