terça-feira, 13 de março de 2018

Meia Maratona de Lisboa 2018 - uma prova única

Vamos partir do pressuposto que dificilmente se vão repetir as condições climatéricas recentes nos próximos anos e que obrigaram a organização a accionar o Plano B e mudar o ponto de partida da Meia Maratona de Lisboa. Isto fará com que daqui a largos anos muitos de nós nos possamos sentir privilegiados com a possibilidade de termos feito uma prova única e de termos tido a sensação de fazer este novo percurso. É certo que choveram críticas à organização e que fazer a "Meia da Ponte" sem passar pela ponte tira parte do brilho da prova. Muitos são os que querem participar pela experiência de atravessar a ponte a pé e a Ponte 25 de Abril é atravessada na totalidade, o que não acontece, por exemplo, na Meia Maratona da Ponte Vasco da Gama. Também é verdade que bastava um atleta sofrer uma fatalidade em cima da ponte por causa do vento forte para choverem ainda mais críticas e se julgar a falta de responsabilidade por não se ter alterado o percurso. 

Qualquer decisão que uma organização tome é sempre sujeita a descontentamento, mas neste caso parece claro que foi a opção certa. E para quem reclamou outras opções, há que perder um pouco de tempo a ler o regulamento. Para mim e para a minha malta a grande diferença foi termos dormido mais um pouco e apanhado o comboio uma hora depois da ideia inicial. Só tive pena de alguma desorganização à chegada a Lisboa que me fez não ter conseguido encontrar a Nádia e a Inês que foram, já agora, responsáveis por eu ter estado naquela linha de partida. Antes de eu ganhar um passatempo já elas me tinham colocado um dorsal nas mãos, fruto de outro passatempo. Fica também o convite para seguir as respectivas páginas

Agora chega a altura das minhas críticas. Se não fosse com passatempo nunca teria voltado a fazer esta prova. O preço de inscrição esteve demasiado caro desde o início e a discussão sobre a camisola já vai longa em tantos sítios que nem sequer vou abordar esse assunto. Na prova em si o que mais me queixo é uma coisa tão banal como a inexistência de pórtico de partida. Eu sei que estava vento, mas nem que fossem dois membros da organização a levantar uma cartolina. E, já agora, o speaker que estava a tecer largas críticas - justas, pareceu-me - ao facto de haver atletas a atirar peças de roupa que não iam usar pela ponte abaixo também podia ter anunciado o início da prova. Eu e o colega que partiu ao meu lado só percebemos que era ali a partida por termos tropeçado nos sensores no chão. Relógio a contar e vamos a isso antes que chova.

E choveu logo ao fim de 10 minutos, mas foi coisa passageira. Eu que tinha deixado o impermeável junto da malta da caminhada não me arrependi da decisão. Ia bem disposto, sem pressão, rumo à marca das duas horas que tinha prometido, mesmo que ainda tivesse ouvido que "ah e tal, este gajo quando faz estes comentários é quando depois acaba melhor e com tempos record e mais-não-sei-o-quê." Confirma-se... a certa altura pensei em record. Devia ter chovido mais.

Encontrei a Inês, dei-lhe um abraço e desejei-lhe boa prova. Disse-me que a Nádia tinha saído dali agora mesmo, portanto fui à procura dela. À minha frente já tinha desaparecido o meu colega, outro que ah e tal, vou nas calmas. Foi tanto nas calmas que só o voltei a ver hoje à noite. Para trás ficaram outros colegas e amigos, um dos quais tinha dito que ia comigo mas acabámos por nos perder na confusão da partida e do arranque no início da prova. Curiosamente já falei com ele, mas ainda não o voltei a ver. E foi num ápice que saímos do Eixo Norte-Sul rumo a Alcântara.

Brilhava o sol, ia em bom ritmo e nem dava pelos quilómetros passarem. Porque raramente olhava para o relógio e porque raramente os encontrava marcados no percurso. Meia crítica aqui, porque não ter essa referência estava a ajudar-me a ir tranquilo. E quando vi um placa, ela estava virada para o lado errado e eu julgava já ter feito 9km e até disse à Isa e ao Vítor que os 10km e a metade da prova estavam já ali. O balde de água fria veio a seguir quando se deu a viragem no Cais do Sodré e ainda só íamos com 7km. Mais água fria chegaria volvidos mais 7kms.

Como era natural fui-me cruzando com várias caras conhecidas pelo caminho, fui metendo conversa, fui cumprimentando pessoal aqui e ali. Tudo coisas que ajudam a passar os quilómetros sem se dar por eles. Antes de chegar ao retorno lá estava a Nádia do outro lado. Uma rápida mensagem de força foi o que conseguimos desejar um ao outro. E depois do retorno um dos momentos pelos quais eu esperava: reencontrar ao vivo e a cores o João Lima a correr. Já tinha visto umas fotos e lido uns relatos, mas aquele curto abraço e troca de palavras foi essencial. Rumo aos 10kms onde passei com 55:30 aproximadamente. Foi aqui que fiz as contas habituais: faço o resto numa horinha e é sucesso garantido. Esqueci-me é que para isso funcionar tenho que fazer os primeiros 11kms em 55 minutos e depois sim os restantes 10 numa hora. Não faz mal, ia dentro do tempo previsto.

Ainda antes de chegar a Belém o percurso da Meia juntou-se ao da Mini, separados pelo gradeamento. Desviei o olhar para o lado de lá e encontrei imediatamente quem queria ver. "Então boa tarde e tal e até já que eu vou ali até Algés e já venho!" Pronto, o reencontro só se deu quase uma hora depois de eu ter terminado. Parecia um dia pródigo para perder pessoas de vista. Felizmente tinha outra repórter na meta à procura das nossas camisolas para fotografar.

Em 2015, da única vez que tinha feito a prova, o meu maior problema foi ter passado em Belém junto à meta e depois ter ido e ido e ido e ido e cada vez que me afastava mais cansado me sentia. Psicologicamente afectou-me, mas na altura era apenas a minha segunda Meia Maratona e eu não sabia fazer bem este tipo de gestão psicológica da prova. No domingo ia tentar inverter esse sentimento e estava a conseguir. E depois o céu escureceu e eu arrependi-me de ter dito algures lá atrás que durante a prova já não chovia mais. E não choveu, granizou!

Chuva forte, granizo, tocada a vento que soprava de frente. O mesmo vento que nos estava a impedir de correr e nos empurrava para trás. Baixei a cabeça, cerrei os dentes e fiz o meu quilómetro mais rápido da segunda metade da prova. Devo ter ultrapassado uns 20 ou 30 atletas nesta fase e a única coisa que tentava era ver por onde ia para não tropeçar em ninguém. Que chuvada! Meteu a um canto o dilúvio da Meia Maratona dos Descobrimentos de 2016. Ainda vi um amigo a passar já em sentido inverso. Confessou-me ele horas mais tarde que levar com o granizo por trás tinha sido como ter agulhas a espetarem-se nas costas. Eu continuava a não sentir saudades do impermeável. Foi um quilómetro, uns 5 minutos brutais. Senti-me a correr contra o mundo, contra todas as adversidades. E não neguei o desafio. A roupa ficou colada ao corpo e os ténis encharcados de forma instantânea e aquilo foi tudo mágico e surreal ao mesmo tempo. Agora que olho para trás ainda nem consigo ter a noção exacta do que foi correr debaixo daquele temporal. Só queria ter uma fotografia para guardar. E digo isto sem desejar nenhuma pneumonia a nenhum dos fotógrafos - amadores ou profissionais - que lá estiveram naquela manhã.

Passada a intempérie e já com dois terços da prova feita aguardava o retorno em Algés. Mas ele nunca mais chegava. E Algés não era ali atrás? Já estava todo baralhado e a trocar as provas. Tinha dito ao pessoal que íamos até Santa Apolónia, mas isso é nos Descobrimentos. E depois pensei que se não tínhamos ido tanto para aquele lado, então estávamos a compensar agora neste retorno. Tudo errado, o percurso era exactamente aquele com retorno na zona do Dafundo/Cruz Quebrada. Enfim, meia crítica a mim que devia ter olhado devidamente para o percurso em vez de achar que ainda me lembrava dele de cor e salteado. Chegado ao tão desejado retorno comecei a fazer contas ao que faltava até à meta. Próximo objectivo o abastecimento de água, depois o da fruta. Ou era ao contrário? Não interessa, há dois abastecimentos e primeiro quero chegar a um e depois a outro. E há malta para ver do outro lado da estrada para me fazer pensar noutra coisa sem ser o cansaço acumulado. E deixa cá espreitar para o relógio que continua a marcar a média dentro do que quero.

Agora era só rolar até ao fim sem precisar de acelerar, mas ali aos 19km entrou-me nos ouvidos uma das músicas da playlist que me dá pica e aqui o vosso amigo começou a abanar o capacete. Literalmente. E a fazer "air guitar" e "air drums" e cenas assim. Felizmente que os fotógrafos estavam abrigados porque a chuva tinha voltado ou estavam já concentrados na meta.

E a meta chegou rapidamente, não sem antes fazer um sprint final para ultrapassar alguns atletas e garantir que não ficava escondido atrás de um dinamarquês alto e espadaúdo que me fosse tapar ao cruzar a chegada. Uma pessoa tem que ter objectivos definidos, independentemente da zona da classificação onde termina. E consegui. Não fiquei tapado por ninguém e acabei 13 segundos abaixo do objectivo. Não podia pedir muito mais. Na verdade, a razão principal pela qual me inscrevi - e repito que nunca o faria se tivesse que pagar a inscrição - foi para melhorar o meu tempo nesta prova. Foi aqui que fiz a minha pior Meia Maratona de sempre (a desistência no Douro Vinhateiro não entra nestas contas) e jurei a mim mesmo que havia de voltar apenas para melhorar essa bela marca de 2:20:39 feita em 2015. E atenção: não tenho nada contra quem faz estes tempos! Na altura foi uma prova mal calculada e muito mal gerida da minha parte e com mais maturidade e experiência corrigi esses erros. Três anos depois tirei aproximadamente 21 minutos a essa marca. Um por quilómetro. (Mas tendo em conta que foi neste percurso único, será que conta na mesma ou tenho que voltar em 2019?)

No fim veio a medalha, o gelado, ainda mais fotos e uma curta caminhada até ao carro com direito a uma chuvada e a vestir o impermeável - afinal ainda o usei! - enquanto estávamos todos abrigados numa paragem de autocarro a 200 metros dos carros e onde tínhamos quase todos uma muda de roupa. Caramba que até aqui foi preciso lutar contra o Félix que me deu mais problemas que o temporal da Meia Maratona dos Descobrimentos, prova que me correu mal e que foi feita em modo de birra com o impermeável vestido.

Foi a minha 15ª Meia Maratona e foi a 5ª que terminei abaixo das duas horas. E se a ideia é apagar resultados menos conseguidos do passado, então alguém avise a Meia das Lampas que em Setembro conversamos.

O meu colega que partiu comigo disse-me antes de desaparecer por entre a multidão de atletas que começava aqui a preparação rumo ao Porto. Ainda faltam demasiados meses para pensar nisso, mas como dizia o Prof. Moniz Pereira: "Há treino todos os dias!" 

Próxima paragem: Corrida dos Sinos, Mafra.     


Prova nº 79 - Meia Maratona de Lisboa (Ponte 25 de Abril) 2018 - 21km - 1:59:47

6 comentários:

  1. Muitos parabéns pela tua prova, em condições difíceis.

    Sobre a partida, e como é fácil de entender, a organização já confirmou que não teve autorização para montar fosse que estrutura fosse.
    A tua proposta de pessoas com cartolinas, não sei se adiantaria pois tínhamos que subir e depois descer, e era aí que estava a partida, o que faria que dificilmente os irias ver, até porque teriam que estar nas pontas e com o pessoal todo dum lado e doutro seria muito improvável serem vistos.

    Sim, daqui a uns anos podemos dizer que já fizemos a Meia da Ponte sem a Ponte :)

    Um abraço, força nesses treinos e até Mafra

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    1. Obrigado e igualmente.
      Sim, depois de escrever este texto vi um comentário do Mário Machado a confirmar a falta de autorização. Vá, eu quando digo cartolinas era a entrar no exagero, mas foi uma queixa generalizada.

      Acabo de ter uma ideia para patentear rápido! Fazer a partida de uma corrida em frente a uns semáforos, estilo Fórmula 1. :D

      Abraço e até lá!

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  2. Estava ler o teu relato e mais parecia a minha prova (até na parte da inscrição lol). Aquele momento de granizo foi tão surreal mas tão fantástico ao mesmo tempo. Nunca me imaginei a correr naquelas condições mas agora sorrio porque o desafio foi superado. Curiosamente foi a partir desse momento que se fez o click e acelarei até à meta. Vinha literalmente a engonhar numa de mandrião até levar com o granizo. Parece que acordei!
    Estive até à última a pensar se ia ou não correr, mas acabei por ir e nao me arrependo em nada de o ter feito.
    Boas corridas e vemo-nos nos sinos ;) Abraço

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    1. A diferença foi que a tua prova acabou com um ritmo mais rápido que o meu. LOL
      É mesmo isso, uma pessoa balda-se aos treinos se for preciso por causa de um aguaceiro ligeiro e depois em prova leva com aquele desafio. Tinhas que acordar, quando mais rápido mais depressa se fugia da nuvem negra.

      Só não tive o mesmo dilema por respeito e carinho por quem me cedeu o dorsal. Ri-me muito quando ao fim do dia, já de banho tomado e roupa lavada, voltei a sair de casa e mesmo de casaco vestido estava um frio enorme. E pensar que horas antes estava de calções e mangas arregaçadas debaixo do temporal! :)

      Obrigado e um abraço! Até Mafra!

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  3. O que eu não dava para ter visto o teu air guitar e air drums!!! Parabéns e até aos Sinos, sim aos Sinos!!
    **

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    1. Alguém atrás de mim, ou ao meu lado, há-de ter visto. Já não é a primeira vez que acontece. Deve ser uma figurinha engraçada...

      Sinos!!! :)

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