segunda-feira, 29 de maio de 2017

A mais bela (e longa) corrida do Mundo

Apaguei o post que tinha pré-escrito para fazer o relato da prova. Ou melhor, editei-o e transformei-o no post anterior. Não ia escrever mais nada, mas tenho que o fazer.

Ontem durante a viagem até à Régua saltou a pergunta:
"Olha lá, este fim de semana e esta prova são uma espécie de fecho de ciclo, certo?"

Estava, finalmente, feito o click e dado o mote para voltar ao Douro Vinhateiro. Não era só ter desistido no ano passado, era tudo o que aconteceu em Maio do ano passado. E tudo o que Maio desde ano está a fazer para apagar de vez as más memórias que ficaram.

Eu disse - mais que uma vez - que não sou vingativo. Diverti-me imenso ao ler há pouco os comentários destas publicações, tal como me emocionei ao ler as palavras de força e ânimo que me deixaram recentemente aqui (e ali ao lado na rede social também). Obrigado, esta vitória também é vossa!

Esta prova tinha tudo para correr bem, após a lesão no início do ano regressei de forma bastante ambiciosa e recuperei a forma que tinha perdido entretanto. Bati record dos 10km em Santarém, dos 15km no 1º de Maio e até dos 5km também em Maio, embora em circunstâncias diferentes do habitual. O problema foi a falta de treino nas últimas semanas. Andava quase a correr de prova em prova e quando na semana passada consegui finalmente voltar a treinar duas vezes por semana acontece-me um daquelas coisas que nunca é boa mas que há alturas em que é mesmo horrível: pisei uma pedra e torci um pé a meio do treino de 5a. 

Assustei-me, enervei-me, estava a rir - de nervos! - e quase a chorar ao mesmo tempo. Felizmente o destino tem destas coisas e no meio das 20 pessoas que apareceram no treino eu estava ao lado da nossa colega que é enfermeira. Ela não me disse absolutamente nada que eu não soubesse "Vais para casa, fazes gelo, tomas anti-inflamatório e usas uma meia elástica. Repousas o pé ao máximo e vais ver que isso não há-de ser nada." mas disse-o de uma forma tão calma e confiante que me tranquilizou imediatamente. Ossos do ofício. Muito obrigado, esta vitória também é tua!

Ainda me passou pela cabeça continuar o treino e fui meio a andar, meio a correr ter com o resto do grupo que tinha parado à nossa espera. Como nós íamos na cauda do grupo mais ninguém sabia o que tinha acontecido. Também assustei e enervei a minha colega que me confortou no ano passado. Aquela que me deu a medalha e que não a quer de volta e já me explicou porquê. E eu percebi e aceitei a justificação. Assustei-a ao ponto de ter corrido mais depressa quando foi à nossa procura do que no resto do treino todo! Muito obrigado, esta vitória também é tua!

Depois tive o apoio todo do resto do grupo. O treino continuou - the show must go on! - e enquanto uns colegas foram buscar o meu carro à outra ponta da cidade (às 3as os treinos começam quase à minha porta, mas às 5as não e eu nem sempre me despacho a tempo para ir a fazer um aquecimento até lá) outro ficou a fazer-me companhia e fui a andar devagar até casa. Este carinho da equipa vale ouro. Ninguém ficar para trás também é isto. Obrigado malta, esta vitória também é vossa!

Felizmente foi mesmo mais o susto que outra coisa. Passei 6a e sábado sem dores e apenas com uma ligeira impressão na zona torcida. No sábado até deu para fazer parte do caminho até Peso da Régua a conduzir, o que me deixou bastante confiante. Hotel, levantamento dos dorsais, passeio pela cidade, fotos, selfies, relax total e... pasta party. Era a primeira vez que ia a uma e primeiro estranhou-se e depois entranhou-se. Será algo a repetir no Porto. Com tudo pronto de véspera, era hora de ir descansar e domingo chegou rapidamente. Acordar cedo, tomar pequeno almoço, confirmar que dava para fazer late check-out até às 14:00. Tudo correu às mil maravilhas no Hotel Columbano e quando é assim, fica a referência.

Feita a divisão entre comboio e autocarro, entre Meia e Mini, era hora de embarcar. À chegada à Barragem do Bagaúste ainda nos voltámos a cruzar até que fiquei com a companhia de amigos de outra equipa com quem estive até à partida. Poucas caras conhecidas, equipas e camisolas menos familiares do que em provas por Lisboa e arredores. O tempo estava encoberto e era perfeito continuar assim. Levantou e abriu o sol 20 minutos antes da partida e senti-o bem até ao retorno aos 8kms. Antes de partirmos, uma das pessoas que estava comigo lembrou-se de me falar do ano passado. Confirmou que eu tinha desistido à passagem pela barragem, a cerca de 5 ou 6 quilómetros do final. Chamou-me estúpido - assim a frio e com todas as letras. Eu ri-me e disse-lhe que tinha toda a razão. Disse-me que sabe bem que a cabeça é que manda, muito mais que as pernas e que percebia o que tinha acontecido mas que sabia que este ano não ia ser assim. Ela tinha a certeza, disse-me que eu estou mais forte, fisicamente e não só, disse-me tudo o que eu precisava de ouvir e que eu não esperava que fosse ela a dizer. Obrigado! Todos os elogios que trocámos naqueles abraços depois da meta foram sinceros e sentidos.

Mas vamos começar a correr ou nem por isso? Já vamos com um testamento e ainda nem passei a partida! Vá, vamos lá correr! Não sem antes dizer que passei debaixo do pórtico de partida com esta música a tocar nos altifalantes da organização. A minha power song. E por falar em música, ao fazer o primeiro quilómetro o leitor de mp3 foi-se abaixo. Eu já tinha percebido que isso era capaz de acontecer na noite anterior. Devo tê-lo deixado ligado depois de o carregar. Paciência. Guardei-o tranquilamente no bolso dos calções e fui a cantarolar na minha cabeça todas as músicas da playlist até que me esqueci disso e a música não me fez falta.

Decidi que a prova era só para acabar, que ia meter um ritmo "de maratona" a rondar os 6m/km e sempre sem stress. Vi que não era isso que estava a acontecer de início, fartei-me de olhar para o relógio nos quilómetros iniciais e aquilo marcava quase sempre o mesmo ritmo. Vejam bem este relógio quase suiço até ao quilómetro 9! Na verdade estava a sentir-me muito bem e sem dores. Senti-me a destilar até ao retorno, mas ia-me sempre hidratando nos abastecimentos tanto a beber água como a molhar a cara e testa. Assim que se deu a volta deixei de sentir esse problema. Tinha dividido a prova em 3 partes: até ao retorno aos 8kms, de regresso à barragem aos 16km e os últimos 5kms que não fiz no ano passado e que não conhecia. Passei aos 10km com 55 minutos e comecei a fazer contas que assim iria terminar com cerca de duas horas. Esqueci-me logo disso porque sabia que ia quebrar na segunda metade, para além de ter o efeito psicológico da chegada à barragem. Mas não quebrei, antes pelo contrário. Apenas no km 12, exactamente onde comecei a quebrar e a andar na prova de 2016. respondi da melhor maneira: aumentei o ritmo! Foi de forma involuntária e foi o sub-consciente a falar mais alto. Se no ano passado comecei a quebrar aos 12km, hoje comecei a ganhar a prova no mesmo sítio.
Já via a barragem ao longe, estava a aproveitar todos os abastecimentos tanto de água como de isotónico - também ajudou num deles o staff estar a colocar garrafas inteiras em vez de dividir por copos, porque assim trouxe uma para ir bebendo - e segui à risca o plano do gel: um no retorno aos 8km, outro na barragem aos 16km.
Algo que eu tenho que tentar perceber é a ilusão de óptica do percurso. Tanto na ida como no regresso parecia visualmente que ia a descer, embora o gráfico de altimetria confirme que nem sempre foi assim.
Os quilómetros continuavam a voar e eu sem nunca sentir cansaço, nem dores, nem quebras de ritmo, nem quebras psicológicas. Estava bem, muito bem. A partir dali era o desconhecido, era completar duas provas ao mesmo tempo. Mas eram também os quilómetros mais fáceis por serem os mais próximos da meta. (tem sido uma frase que eu digo muito ultimamente)
Fui ver que no ano passado desisti aos 15,3kms. Este ano parei exactamente nessa mesma altura, mas foi apenas para beber um copo de isotónico que neste abastecimento estava mesmo em copo e não em lata. Depois segui e nessa altura já estava a ver bastantes atletas em dificuldades, sobretudo pelo calor. Tenho sorte que historicamente não me dou mal com temperaturas altas. Nem senti que estivesse abafado, mas aparentemente estava.
Começou a fase em que tentava perceber os nomes dos colegas que estrada se tivessem na camisola ou se tivessem o dorsal nas costas e puxava por eles pelo nome quando os passava. E eu ia passando bastantes. E ia aumentando ainda mais o ritmo naqueles quilómetros. Já era impossível não fazer contas. Se fosse a x minutos por quilómetro ia ficar abaixo das duas horas. Se mantiver vou para record. Na verdade, a primeira vez que pensei em record foi aos 5kms mas decidi ignorar esse pensamento por ser absurdo.

Estando cada vez mais perto de entrar em Peso da Régua começavam a aparecer cada vez mais espectadores e/ou membros de staff no percurso. Comecei a minha saga de puxar pelo público, a pedir palmas, a pedir barulho, a pedir apoio. Normalmente faço isto quando estou a começar a fraquejar e preciso de motivação ou quando estou feliz na estrada. E eu estava radiante a transpirar de alegria por todos os poros! A malta retribuía os meus pedidos. Ouvi palmas, muito barulho. Ouvi alguém de fora gritar "És grande, Nuno!", ouvi outra pessoa dizer "Calma jovem, não te canses tanto!" Mas eu não estava nada cansado! Nada!

Passagem pela ponte pedonal, mais apoio, mais barulho, mais gente a meter-se comigo. Acho que deixei a minha marca bem vincada naqueles quilómetros finais. Acho que também assustei um ou outro atleta que ia à minha frente.

Meta à vista, nem me preocupei em olhar para o relógio do pulso, mas vislumbrei o relógio da meta que me garantia o record (batido por 31 segundos) e nunca mais pensei nisso. Metros finais emotivos, olho para as barreiras, para quem me apoiava da parte de fora. Braços no ar, sorriso estampado no rosto e... acabei! Já vi algumas fotos da chegada e nunca, nunca me vi tão feliz ao passar uma meta.

Soltei um grito, um sonoro "YES!" onde estavam contidas todas as emoções. Atirei tudo cá para fora. Vi quem estava lá, pensei em toda a gente que não estava mas que gostava de estar, em toda a gente que eu sabia que estava à espera de notícias. Continuei a correr e só parei quando me meteram a medalha na mão. É minha, é nossa!

Depois foi a descompressão, sacos de ofertas, imperiais que tão bem me souberam, garrafas de vinho também oferta. Fotos finais e festejos. Muitos abraços e mais palavras reconfortantes que me encheram o coração. Já só queria voltar ao hotel para tomar banho e partilhar o resultado com o mundo. Depois foi almoçar e fazer a viagem de regresso que ainda é longa e foi preenchida com muitas mensagens de parabéns. Agora é o voltar à normalidade do dia-a-dia e pensar na próxima, a Corrida de Santo António no próximo sábado à noite.

E porque há coisas que não vale a pena mudar, também este ano o Benfica deu uma alegria durante o regresso a casa. No ano passado foi o campeonato, este ano foi a Taça.
Estou exausto e feliz. Já devia ter ido dormir há 3 horas atrás.
Parecendo que não, terminei duas meias maratonas no mesmo dia. O ciclo está fechado.


Prova nº 63 - Meia Maratona Douro Vinhateiro 2017 - 21km - 01:57:16
Prova nº 36 - Meia Maratona Douro Vinhateiro 2016 - 21km - 378 dias, 2 horas e 4 minutos, mais coisa, menos coisa

14 comentários:

  1. Excelente e emotivo relato duma prova épica!
    E como tantas vezes sucede antes de algo épico, um susto antes.

    A tu forma de correr foi a ideal para um record, pois em distâncias maiores o segredo está no ritmo certo, ao melhor estilo relógio suíço.

    E assim se apaga algo que estava atravessado :)

    Um abraço, muitos parabéns e até sábado

    ps - Este ano não podes perder de modo algum a pasta party no Porto. Olha que já conheço as de Sevilha, Barcelona e Paris e nada chega à do Porto!

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    1. Obrigado!
      A sério, dispensava o susto mas agora que penso nisso acho que me deu mais força para me focar no objectivo final! Manter um ritmo certinho era o que eu queria, apenas o fiz 20 a 30 segundos por quilómetro mais depressa do que pensava!
      Está apagado, agora há que voltar àquela zona mas apenas em passeio.
      Sim, toda a gente me diz maravilhas da Pasta Party do Porto! Em Novembro não falha!
      Abraço e até sábado!

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  2. Muitos, muitos parabéns!

    Que grande relato! E é tão bom ver que ultrapassaste esse "fantasma" e, ainda por cima, tão bem! Nada dá mais gozo do que nos superarmos a nós mesmos:)

    Quando a prova acabou, confesso que fui espreitar os resultados e também vi o teu. E fiquei mesmo feliz quando vi o teu tempo (já que não tinha dúvidas que ias acabar!).

    Agora bom descanso e boa recuperação, e é pensar na próxima :)

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    1. Muito, muito obrigado!
      A palavra certa é mesmo essa: deu-me um gozo tremendo arrumar esta questão desta maneira! :)
      Tu estás na lista das pessoas que eu sabia que iam estar à espera de notícias! Obrigado pela confiança!

      Hoje estou com dores nas coxas, com tanta emoção não alonguei nada no fim. LOL
      Beijinhos!

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  3. Done...
    Gostava mesmo de lá ter estado, na meta...

    "Prova nº 36 - Meia Maratona Douro Vinhateiro 2016 - 21km - 378 dias, 2 horas e 4 minutos, mais coisa, menos coisa"
    Lol faz me lembrar alguém que conhecemos ;)

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    1. E estavas. De medalha na mão à minha espera. Ou era eu a alucinar com o sol? :)

      Tu estás a falar... não... estás mesmo! Que grande gargalhada que dei agora!!! :)

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  4. Parabéns! :D Objectivo ultrapassado!

    De certeza que nos cruzamos.... eu também fui ao pasta party e estava um grupo grande de Lisboa à minha frente. Para além disso, na altura que cruzaste a meta, eu estava muito atenta a quem o fazia... a última meia maratona que o meu namorado fez foi com o tempo de 1h57. Ele acabou por chegar às 2h05. Teve um problema +/- aos 15km e quebrou o ritmo. O mais curioso é que ele também fez 10km em 55 min. :)

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    1. Obrigado! (Igualmente!)
      Eu bem te disse que nos havíamos de cruzar, mas sem darmos por isso. Na pasta party lembro-me vagamente de quem estava ali à volta. Na meta eu era o gajo completamente louco de braços no ar. Ajuda a identificares-me? LOL
      Pena que ele tenha quebrado. Com esse tempo é bem possível que tenhamos ido próximos durante a prova até ele quebrar. Boa recuperação para ele e até à próxima! ;)

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  5. Uau! Muitos parabéns!
    Está um relato muito emocionante.
    Parabéns pelo recorde, que melhor maneira de regressares ao Douro Vinhateiro? :)

    Beijinhos

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    1. Obrigadoooo!!!
      Está sincero, acima de tudo. :)
      Foi a maneira perfeita de fechar a coisa.
      Beijinhos!

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