terça-feira, 12 de setembro de 2017

Corrida da Felicidade

"Duas horas"

Foi a minha resposta vezes e vezes sem conta à pergunta: "Vais para fazer quanto tempo?" E disse isto também ao meu colega de equipa vezes suficientes para o recordar que não estou nesta fase a atacar os tempos da Meia Maratona, mas sim a usar estas provas como treinos longos mas em ambiente de competição para afinar a máquina para a Maratona. Isso ajudou a tirar alguma eventual pressão de cima, mas sem esquecer que também hei-de querer melhorar a minha marca na distância e em condições ideais procurar aproximar-me o mais possível dos 1:50.

É sempre impossível prever o que vai acontecer numa prova. Há dias em que a pressão faz falta para nos manter com a adrenalina em alta e focados num objectivo. Noutros dias não ter qualquer pressão faz com que se aprecie da prova pelo simples prazer de correr. O ideal estará, sempre, em conseguir o balanço perfeito entre ambas as situações.

Indo sem pressão, com o objectivo de fazer a prova em duas horas e depois de uma semana de férias que foi tão boa que pareceram duas - hei-de falar sobre isso - o dia tinha tudo para correr bem. Mais ainda, tínhamos dito uns dias muito agradáveis de convívio e boa disposição por termos começado o fim de semana logo na 6a à tarde e passado o tempo até chegar a Castelo Branco no domingo em passeio e descontracção, curiosamente pelas mesmas zonas onde tinha estado de férias em Julho: Portalegre, Castelo de Vide e até, novamente, Espanha.

Há anos que não ia a Castelo Branco, apesar de ter ligações familiares àquela zona do país, pelo que pouco me lembrava da cidade. O que já tínhamos visto é que a altimetria do percurso era "jeitosa" - confirmou-se com cerca de 300 de acumulado. Para além disso havia algum receio do calor (safei-me) e até do facto de estarmos a correr numa zona 400 metros acima do nível do mar. Nunca tinha pensado nesta última parte, mas também não senti dificuldades acrescidas por isso. A bomba da asma - que até ia ficando no carro - nunca saiu do bolso dos calções.

Na véspera, uma novidade: fomos dormir antes das 22:00 porque fizemos contas a sair da zona de Portalegre pelas 6:30 para fazer a viagem até Castelo Branco nas calmas, estacionar sem stress pelas 8:00, levantar os dorsais e descontrair depois. Foi tudo feito ao bom estilo de um relógio suíço: partida às 6:35, entrada num café na zona da prova às 7:55. Pelo caminho, sempre o espectro devastador dos fogos que assolaram aquela zona, para além das nuvens de fumo que já tínhamos sentido desde o fim de tarde de sábado por causa dos incêndios que lavravam lá perto. Desolador...

Fomos sentindo o ambiente da prova e o número de atletas a aumentar, mas tínhamos noção que não estava muita gente e íamos conversando sobre os motivos para isso: a data da prova que chocou com imensas outras pelo país fora, o facto de ser a primeira edição, a proximidade com a próxima prova das Running Wonders (o Dão dentro de duas semanas), a localização que obriga a uma logística mais exigente para muitas das pessoas com que nos cruzamos habitualmente, etc. Por outro lado gosto de correr mais longe da zona de Lisboa para ter contacto com outras equipas e outras camisolas que normalmente não se encontram. E isso faz com que a festa seja maior quando durante o percurso vemos malta do Correr Lisboa (grande Brigitte que foi segunda classificada no sector feminino nos 10km), dos Brr Night Runners do Barreiro, da equipa de Leião (sim, vi por lá um representante), etc. Já agora, números oficiais na classificação terminaram a Meia Maratona 343 atletas e a prova de 10kms 375 atletas.

O início da prova levou-nos a uma passagem junto ao parque da cidade, começando depois a subir por ruas estreitas e de empedrado. De seguida fomo-nos afastando gradualmente do centro da cidade sempre a descer até próximo dos 6km de prova. Nessa altura cruzei-me com o meu colega de equipa que levava uns 700 metros de avanço. Fiz contas e parece-me que ele ia bem lançado para fazer 1:50 como pretendia. Não havia muita gente nas ruas e quem estava apoiava, por vezes timidamente e por vezes após responder ao meu apelo de palmas. Sim, o meu estilo nunca muda e passei a prova toda a puxar pelo público. Depois veio o retorno e estávamos a subir o que tínhamos descido até chegar aos 9kms onde se fazia a divisão dos 10kms e da Meia. Pelo meio também fomos algum tempo ao lado da malta da caminhada, mas nessa altura não consegui encontrar caras conhecidas. Estávamos próximos da meta, mas ainda não era a nossa altura de terminar. Passei aos 10kms com 55:05 e por brincadeira pensei que era possível fazer os restantes 11kms numa hora, mesmo sabendo que ainda havia muito carrossel pela frente. Devem ter sido os 10kms mais fáceis que fiz nos últimos tempos. Não dei por eles a passar, ainda troquei umas palavras com o "Super-Homem" que fez a prova toda (não sei se fez a Meia ou os 10kms) a empurrar a filha num carrinho. Ri-me quando ela lhe pediu encarecidamente para não a largar na descida ele lhe disse que tinha que descansar um pouco nessa zona para depois subir no regresso. Ainda lhe perguntei se a certa altura do percurso iriam trocar para ser ela a empurrar e ele ir sentado, mas penso que isso não era opção.

Sabia que na segunda parte do percurso iríamos ter muitos pontos de retorno e isso agrada-me porque me permite ir distraído q.b. em quem vem em sentido contrário sem nunca perder o foco no que estou a fazer e sem perder o ritmo. Pelos 12km aproveitei uma subida mais pronunciada para mais tranquilamente tomar um gel - o único que tomei durante a prova - e isso também foi diferente do habitual porque normalmente em Meias Maratonas tomava um entre os 7 e os 8kms e depois um segundo aos 15kms. Era uma altura em que se estivéssemos a descer sabíamos que daqui a um ou dois quilómetros havia um ponto de retorno e faríamos o percurso inverso a subir (ou vice-versa) e isso ajudou-me a gerir o esforço. Quando me cruzei novamente com o meu colega de equipa não tive noção da distância que nos separava mas não seria muito maior que aos 6kms.

Havia diversão pelo percurso, entre tunas, bandas e outro tipo de animação e por estarmos mais próximos do centro da cidade senti mais algumas pessoas na rua que apoiavam dentro do possível. Acho que bati palmas a toda a gente que nos dava uma força extra e desviei-me algumas vezes para a berma para dar "high-5" às crianças que eu sei que gostam sempre deste tipo de interacção. Chamei campeão a vários, tive sorrisos de volta e fiz tudo o que estava ao meu alcance para dar justiça ao nome da prova: Corrida da Felicidade! Eu estava verdadeiramente feliz a correr naquelas ruas, muito zen, muito confiante. O meu momento alto foi ali pelos 13,2kms (fui ver ao Strava porque sei exactamente em que curva estava) quando me desviei ligeiramente do lado direito da estrada para ir dar umas palavras de ânimo e bater palmas a um jovem veterano que vinha em sentido inverso cansado da subida que tinha acabado de fazer. Ele sorriu - não tinha fôlego para mais na altura - e à minha volta houve palmas dos restantes atletas que iam junto a mim. Por falar em jovens veteranos, acabo de ver na classificação geral que dos 11 atletas com mais de 60 anos - dez homens e uma mulher - apenas 4 homens fizeram mais tempo que eu. Os restantes 6 homens fizeram tempos que eu não sei se vou algum dia atingir e a única senhora no escalão V60 chegou uns segundos à minha frente. Malta, continuem assim que daqui a 25 anos eu já vos apanho, ok?

Até aos 15km tive a companhia de um pequeno grupo que se foi formando e íamos a rolar entre 5:30 e 5:40. Uma dessas pessoas foi a Lúcia do Centro de Treinos Municipal de Vila Pouca de Aguiar. Nunca tinha ouvido falar da equipa, não a conhecia de lado nenhum, mas durante uns largos metros fomos ali lado a lado e trocámos algumas curtas palavras. Acabei por me distanciar deste grupo, ainda lhe dei uma força final quando a voltei a ver já perto da entrada para o último quilómetro e no final voltei a encontrá-la na zona de abastecimento de cevada logo a seguir à meta. Agora o mais provável é não me voltar a cruzar com ela, mas esta interacção entre atletas - aqueles que correm pela simples felicidade de correr - deixa-me sempre alegre. (Afinal "reencontrei-a" aqui)

Foi também perto do fim que voltei a cruzar-me com o meu colega - ele junto à placa dos 20kms que tínhamos visto ao entrar de carro em Castelo Branco e eu do lado oposto da estrada junto à placa dos 19kms. Queixou-se do calor e eu percebi pelo tempo de prova que ele ia ficar acima do objectivo, sendo que acabou com pouco menos de 1:52. Achei que estar apenas um quilómetro atrás dele não era nada mau. Nem sequer achei que estivesse assim tanto calor na altura, mas passado 500 metros quando fiz o retorno naquela estrada comecei a apanhar com o sol de frente na cara e depressa percebi o que ele quis dizer. Pouco importava, depois da placa dos 20km uma pessoa ganha o último ímpeto, apenas travado pelo facto de ser praticamente todo a subir. Ao chegar à recta da meta estava cansado - mas não exausto - e consegui ter a cereja no topo do bolo com uma chegada memorável à meta que sei ter sido capturada por fotógrafos mas cujas imagens ainda não encontrei - ou provavelmente ainda não foram publicadas.

Era o culminar de uma prova, de mais uma Meia Maratona. Foi a décima segunda da carreira, foi o meu terceiro melhor tempo na distância. E nunca é demais repetir, foi uma prova onde me senti feliz! Para os mais atentos, há exactamente um ano estava aqui, exactamente com o mesmo espírito descontraído mas a fazer o meu terceiro pior tempo de sempre!

Estava com imensas saudades de fazer uma prova. Já tinha passado demasiado tempo desde as Fogueiras. Curiosamente o plano de treinos mandava fazer uma prova de 10km no domingo para testar a evolução até àquela data. Oops, estiquei-me só um bocadinho...

Agora resta manter uma ideia que eu já aqui falei há tempos: domingo a prova ficou feita, 2a feira começou tudo outra vez!


Prova nº 67 - Meia Maratona de Castelo Branco 2017 - 21km - 01:58:53

10 comentários:

  1. Muito bom!
    É uma felicidade correr, não é?
    Força para o que se aproxima :)
    Um abraço

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    1. É mesmo!
      Estou mais confiante e sinto-me melhor preparado que no ano passado. É ir mantendo o foco durante até ao grande dia!
      Abraço!

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  2. "Nem sequer achei que estivesse assim tanto calor na altura" - qual é a novidade? Para ti nunca está calor!

    É pelo menos a segunda vez neste plano que te esticas à grande na distância mas acredito que te preocupes tanto com isso quanto eu... Nada! Afinal estavas a correr feliz!!! :)

    Desculpa dizer-te isto mas até fiquei com inveja! Não que não estivesse em prova também (como grande parte dos atletas este fim de semana) mas porque a felicidade com a descreves a tua é contagiante :)

    Beijinhos!

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    1. Nunca! Venham de lá esses 40 graus à sombra!
      Isso de me esticar é para "compensar" as vezes em que não faço o que é suposto. E sim, estar feliz é meio caminho andado. Ainda bem que consigo transmitir este estado de espírito. Se contagiar uma pessoa que seja já fico... feliz! :) Beijinhos!

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  3. Também tenho saudades de uma prova de estrada...
    Fico feliz por te ver assim motivado. A maratona está à porta...

    Jns**

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    1. Depois das Dores tens que pensar nisso...
      Obrigado pelo apoio! E a de Lisboa está ainda mais à porta que a minha. :) Beijinhos!

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  4. O representante do Leião era eu, José Ferreira. Obrigado pela inclusão do clube na reportagem.

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    1. Olá José e bem-vindo aqui a este cantinho.
      Depois de ter participado tantas provas do Troféu das Localidades este ano que a vossa presença noutras provas não passa despercebida. Só não havia era elementos suficientes para se ouvirem os cânticos.
      Um abraço e continuação de boas provas e treinos!

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  5. Grande tempo e belo texto! Por acaso não sou tão efusivo durante a corrida, mas passo-me com crianças (sem malícia, lol) a "darem cinco". Em Caminha houve um miúdo, vestido à SLB a dar cincos, que me deixou arrepiado! Eheh

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    1. Obrigado! Quanto menos focado estou no tempo final de prova mais efusivo fico na procura da interacção com o público. Ou então quando estou a ficar exausto e preciso mesmo de um apoio extra. Em Castelo Branco foi mesmo a parte da alegria. Cada vez que dou cinco a uma criança penso se não estarei ali a plantar uma semente e a criar algum interesse em que essa criança um dia queira estar do lado de dentro da estrada a correr. :)
      Vestido à SLB melhor ainda!

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