domingo, 26 de março de 2017

Dilúvio (de felicidade)

Duas semanas após a última prova, eis-me de volta à companhia dos amigos tagarelas para nova incursão ao concelho de Oeiras - onde nasci - para nova prova do troféu das localidades. O destino hoje era Tercena, mesmo ao lado da terra onde vivi durante um quarto de século da minha vida.

Quem também marcou presença foi a chuva. Um autêntico dilúvio que foi piorando durante a viagem à medida que percorríamos o IC19. Pelo caminho falávamos de outros amigos que estavam em provas um pouco por todo o país, sobretudo em trails, e que deveriam passar também por dificuldades.

À chegada até se pensou que a prova pudesse ser cancelada/adiada mas rapidamente se confirmou que isso não iria acontecer. Era então altura de todos se prepararem psicologicamente para o que íamos enfrentar e percebemos que uns apreciam correr debaixo de chuvinha da boa e outros torciam o nariz... 

Tanto no carro como depois já em Tercena com colegas que vinham nos outros carros se comentava igualmente as provas que já tínhamos corrido à chuva. A mim vieram-me à cabeça a São Silvestre dos Olivais em 2015 onde choveu de forma copiosa até cinco minutos antes da partida e a Meia Maratona dos Descobrimentos de 2016 que é de má memória para mim. E hoje não era dia para pensamentos negativos! A primeira diferença era que não ia correr com o impermeável - nem sequer o levei, ficou a dormir em casa! Se é para chover, que chova!

Depois de uma longa espera para a partida da prova feminina - antes da nossa - ficou claro que não havia melhorias nas condições climatéricas. O que tem que ser tem muita força. E eu hoje sentia-me forte e queria demonstrar isso no asfalto. Fomos para o pórtico e arrancámos.

Confesso que, ao contrário do habitual, não tinha estudado o percurso. Vi a altimetria e a distância e foi só, por isso não achei estranho estarmos a descer até à Fábrica da Pólvora de Barcarena, apesar de ter ouvido que íamos subir essa estrada no final. Percebi entretanto por conversas de outros atletas que estávamos a fazer o percurso inverso em relação ao anunciado. Não achei relevante, mal por mal teríamos sempre que subir e descer muito.

Assumi comigo mesmo um compromisso para hoje: nunca olhar para o relógio durante a prova. Não ir ver a distância ou o ritmo que marcava. Era só correr pelo prazer de correr e dar tudo o que tinha enquanto me sentisse bem. A organização tinha blocos a marcar os kms na estrada e isso ajudou a ir controlando a distância. Não levei música - deixei o mp3 no carro e acabei por não o ir buscar enquanto esperávamos pela partida - e ainda não sei se foi boa ou má opção. Tem-me ajudado correr com bom som, mas não houve assim nenhum momento em que tivesse sentido necessidade desse boost extra de energia. Senti foi um enorme silêncio na estrada. Uma ou outra pessoa a aplaudir à janela e nenhuma troca de palavras com os restantes participantes. 

Estas localidades são tão próximas que por vezes os percursos acabam por ser semelhantes. Hoje ao chegar aos 2kms vi uma rotunda familiar, uma bomba de gasolina que já tinha visto antes e caiu-me tudo quando percebi que íamos subir a Estrada Militar de Barcarena, a mesma que já tinha apanhado em Dezembro. Disse um palavrão na minha cabeça e mentalizei-me. Consegui subir quase quase sem caminhar mas na parte final não aguentei. Depois a descer senti-me sem pernas para voltar a acelerar e só o fiz quando um trio de atletas femininas passou por mim. Estavam a fazer a prova masculina em modo de treino, iam em ritmo regular, em amena cavaqueira. Decidi segui-las e consegui, mantendo sempre uma pequena distância para elas. Obrigado por terem sido minhas lebres, sem o saberem. Foi uma boa decisão da minha parte, sempre com o foco em recuperar o tempo perdido na subida, pois claro! 

Estabilizei o meu andamento e as restantes subidas já não foram tão problemáticas, apesar de duras. Já só tinha o foco na meta. Foi já nos kms finais que entrei em "picanço" com outro atleta, mais experiente que eu. Eu passava-o nas descidas, ele passava nas subidas e ninguém ganhava vantagem em terreno plano. Desconfiei mesmo que  ele estava em despique porque acelerava quando eu o ia ultrapassar. Tendo em conta que claramente não somos do mesmo escalão não estávamos a lutar por um lugar na classificação, mas não fazia mal. Ao ver que estávamos já na aproximação à meta e ter percebido que ele ia em esforço, acelerei e passei por ele mesmo antes da última curva. Estávamos nos 400 metros finais e não parei mais. Meti os olhos noutro atleta que tinha à frente e senti que ele sim era do meu escalão. Entrei em modo segmento e fiz aqueles metros finais em velocidade pura e passei-o, só mesmo porque estava com a pica toda. 

Logo após a meta ele dá-me uma palmada nas costas e elogia o meu sprint. Disse-me que eu estava com imensa energia para quem estava a acabar uma prova daquelas. E estava! Aguardo a fotografia tirada pelo Armindo - uma cara bem conhecida por quem anda nestas andanças - que espero que mostre o dilúvio de felicidade que sentia no final. 

Não falei da chuva durante este relato. Nem me lembrei dela durante a prova. Só a senti no funil de chegada após a meta. Foi a minha melhor prova deste troféu, acabei com um ritmo de 5:22/km. E só olhei para o relógio após a meta! Agora que já tenho o percurso no Strava vejo que consegui andar a 4:30, 4:40 nas partes boas da prova e ligeiramente abaixo dos 5:00 depois da maléfica subida a meio. 

Infelizmente um problema informático impediu a divulgação de todas as classificações finais, portanto não sei em que lugar fiquei. Não que me faça diferença, mas é mera curiosidade até por estarem menos atletas presentes por causa da chuva. Ah... E aquele rapaz que passei antes da meta era M40, portanto também não entra nestas contas. 

No próximo domingo é dia da Corrida dos Sinos. Está decidido, vou atacar o tempo! 

Prova nº 56 - Troféu das Localidades (Sintra, Oeiras e Cascais) - Grande Prémio de Atletismo de Tercena - 7,3km - 39:22

6 comentários:

  1. Mais um excelente relato! Parabéns :)

    E mais uma prova de que não precisamos de tecnologias (música e relógio) para fazer grandes provas ;)

    Eu acabei por não ir (como possivelmente reparaste), e acabei por me ir meter noutra bem pior... Ahahahah! Hei-de escrever sobre isso!

    Boa sorte para os Sinos!

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    1. Obrigado!
      Pois é, mas ainda tenho que analisar bem a parte da música. Houve alturas em que me senti demasiado sozinho.
      Reparei sim, como correu em Belas? :) Fico à espera do relato.
      Beijinhos!

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  2. Muitos parabéns pela marca e prazer de corrida!

    Não penses que sou sádico, longe disso, mas dei uma risada quando li que iam fazer AQUELA subida, eh eh eh, aquilo é mesmo duro!

    Um abraço e força, muita força para os Sinos! :)

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    1. Obrigado! Não digo que correr por gosto não cansa, mas cansa menos. E diverte mais! :)
      Eu agora já me consigo rir... Se a tivessemos feito a descer estaria aqui a queixar-me da subida da Fábrica da Pólvora.
      Abraço e até domingo!

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  3. "Entrei em modo segmento" eheh Parabéns, venha a próxima!

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